A polêmica da cotação de lucro irrisório ou zero em licitações

LicitaçãoTerceirização

O art. 44, § 3º da Lei nº 8.666/93 estabelece que “não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.” (Destacamos)

Em face dessa previsão legal, questiona-se a validade das propostas com margem de lucro irrisória ou igual a zero, tendo em vista tratar-se de um dos componentes do preço final dos licitantes.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o item “lucro” que compõe a proposta comercial insere-se na margem de discricionariedade do particular. Nem poderia ser diferente, uma vez que a discricionariedade na disposição desse valor constitui característica essencial do exercício da livre iniciativa, consagrado no art. 170 da Constituição da República.

Como o lucro deve ser definido pelos licitantes em consonância com a sua realidade, não há determinação normativa que indique qual deve ser a forma de composição do percentual relativo a esse item.

Diante disso, não se verifica, a princípio, ilegalidade na cotação de lucro mínimo ou igual a zero em propostas apresentadas em certames licitatórios, razão pela qual, não é devida a pronta desclassificação das propostas nessa condição, visto que o lucro zero não é indicação absoluta de inexequibilidade. Nesses casos, todavia, a avaliação da exequibilidade da proposta deverá ser bastante criteriosa, principalmente em se tratando de licitação para terceirização de serviços, o que exigirá a verificação da planilha de custos e do cumprimento de todos os encargos legais.

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Vale destacar que a questão foi abordada no Acórdão nº 1.214/13-Plenário, em sede de representação formulada a partir de trabalho realizado por grupo de estudos, constituído com o objetivo de apresentar proposições de melhorias nos procedimentos relativos à terceirização de serviços continuados na Administração Pública Federal. Um dos problemas apontados naquela ocasião foi justamente a dificuldade enfrentada pela Administração no exame de exequibilidade das propostas, em razão da ausência de parâmetros seguros de análise.

De acordo coma conclusão do grupo, “(…) os editais deveriam consignar expressamente as condições mínimas para que as propostas sejam consideradas exequíveis, proibindo propostas com lucro e despesas administrativas iguais a zero, entre outros, em razão de esse percentual englobar os impostos e contribuições não repercutíveis (IR, CSLL). Registre-se que o grupo não determinou quais seriam as condições mínimas ideais, de modo que deverá ser realizado estudo para determiná-las e, assim, possibilitar a implementação dessa proposta.”

Em que pese essa conclusão, o Plenário do TCU entendeu que, “apesar de fazer considerações sobre alguns dos parâmetros que devem ser levados em conta, o grupo não chegou a aprofundar os estudos suficientemente para chegar às condições mínimas que devem ser estabelecidas para que as propostas sejam consideradas exequíveis”, em razão disso optou por recomendar à SLTI do MPOG a realização de estudos a respeito da “determinação de percentuais mínimos de lucro, LDI, despesas administrativas e outros, para que as propostas sejam consideradas exequíveis no âmbito de processos licitatórios para a contratação de serviços de natureza contínua”.

Recentemente, ao confrontar o tema em sede de representação relativa a pregão eletrônico para a contratação de serviços contínuos de limpeza, o Plenário da Corte de Contas concluiu que a proposta de licitante com margem de lucro mínima ou sem margem de lucro não conduz, necessariamente, à inexequibilidade. Veja-se trecho extraído do Acórdão nº 3.092/14, Plenário:

“REPRESENTAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTA POR CRITÉRIO NÃO PREVISTO NO EDITAL. PROCEDÊNCIA. ASSINATURA DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO ATO. POSSIBILIDADE DE RETOMADA DO CERTAME. CIÊNCIA DE OUTRAS IMPROPRIEDADES. ARQUIVAMENTO.

1. Não há vedação legal à atuação, por parte de empresas contratadas pela Administração Pública Federal, sem margem de lucro ou com margem de lucro mínima, pois tal fato depende da estratégia comercial da empresa e não conduz, necessariamente, à inexecução da proposta (Acórdão 325/2007-TCU-Plenário).

2. A desclassificação de proposta por inexequibilidade deve ser objetivamente demonstrada, a partir de critérios previamente publicados (Acórdãos 2.528/2012 e 1.092/2013, ambos do Plenário)

(…)

VOTO

18.De se destacar, ainda, que não há norma que fixe ou limite o percentual de lucro das empresas. Com isso, infiro que atuar sem margem de lucro ou com margem mínima não encontra vedação legal, depende da estratégia comercial da empresa e não conduz, necessariamente, à inexecução da proposta.”

Instaurada a polêmica acerca do tema, diante das manifestações do TCU, recomenda-se cautela redobrada da Administração à vista da cotação de lucro irrisório ou zero em licitações. Nesses casos, deverá oportunizar ao licitante a comprovação da exequibilidade da sua oferta, verificando, de forma rigorosa, a planilha de custos apresentada e o cumprimento de todos os encargos legais cabíveis, quando se tratar da terceirização de serviços.

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