Alienação de bens móveis, fuga à modalidade de licitação e fracionamento indevido de despesas

Licitação

A escolha da modalidade de licitação adequada para a alienação de bens móveis inservíveis não é tarefa simples.

O art. 22, § 5º, da Lei nº 8.666/93, prevê que o “leilão é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis inservíveis…”.

De outro lado, o § 6º, do art. 17, da Lei de Licitações prevê que “para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea ‘b’, desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão”.

Desse modo, a utilização do leilão seria possível apenas nos casos em que os bens móveis inservíveis a serem alienados fossem avaliados, isolada e globalmente, em valor igual ou inferior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). Nos demais casos, a alienação se daria por meio de concorrência.

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Da leitura dos dispositivos acima, há que se notar um fato interessante: o legislador aparentemente vinculou a escolha da modalidade adequada para a alienação de bens móveis inservíveis ao mesmo critério por ele adotado para a definição das modalidades cabíveis para contratos de obras, serviços e compras, qual seja, aquele baseado no valor do objeto.

E a utilização desse critério pelo legislador faz surgir a seguinte dúvida: é possível falar em fuga à modalidade de licitação e em fracionamento indevido de despesas quando o objeto do certame é a alienação de bens móveis inservíveis?

A doutrina aparentemente não trata da questão.

O Tribunal de Contas da União, por sua vez, possui precedente (Acórdão 1.557/2004 – Plenário) no qual admitiu a existência de fuga à modalidade de licitação e de fracionamento indevido de despesas no âmbito de licitação destinada à venda de bens móveis inservíveis:

“Importa destacar, ainda, e como demonstração cabal de que houve fracionamento por parte da (…), que ao final de 2003, a Companhia havia lançado edital para alienação de bens em um único leilão. Após o questionamento realizado pelo Representante, como consta nestes autor, no sentido de que não se deveria fazer leilão por contrariar a legislação em vigor, houve imediata divisão, partição, isto é, fracionamento do certame em dois leilões, um devendo suceder imediatamente o outro, fato que resultou na presente Representação e na Medida Cautelas aqui discutida.”

Admitida a possibilidade de eventual fuga à modalidade de licitação e fracionamento indevido de despesas no âmbito das licitações destinadas à venda de bens móveis, surge ainda outro questionamento: qual o critério, o método a ser utilizado para avaliar a caracterização ou não do fracionamento indevido nesses casos?

Mais uma vez a doutrina aparentemente se cala.

A Lei nº 8.666/93, na parte em que disciplina as alienações de bens móveis, não contém dispositivo análogo ao seu art. 23, § 5º, inicialmente aplicável às compras, obras e serviços, que proíbe “… a utilização da modalidade convite ou tomada de preços, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços ou concorrência”.

Ela se limita a proibir o leilão quando os bens móveis a serem alienados, isolada ou globalmente, tiverem seus valores avaliados em montante superior a 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais).

Para solucionar a questão, seria possível aventar a aplicação do método utilizado para os casos de contratação de obras, serviços e bens, previsto no já mencionado art. 23, § 5º, da Lei de Licitações, também às licitações destinadas à alienação de bens móveis inservíveis, por analogia.

Assim, parcelas de um mesmo bem, ou ainda bens da mesma natureza, teriam seus valores somados para fins de definição da modalidade de licitação utilizável no certame onde eles seriam alienados, e dos quais resultariam contratos de receita para a Administração.

O Tribunal de Contas da União, contudo, aparentemente utilizou outro método no precedente acima citado.

Naquela ocasião, a entidade questionada foi acusada de alienar vagões de trem (bens de mesma natureza) em licitação processada pela modalidade leilão, ainda que a soma dos valores dos vagões determinasse a adoção da modalidade concorrência.

Uma das teses apresentadas pela defesa foi a de que os vagões não poderiam ser licitados conjuntamente, dado o fato de que alguns deles ainda eram recuperáveis, e outros já eram sucata. E o Ministro Relator Adylson Motta acatou a tese:

“Desse modo, mister se torna que a empresa proceda a um detalhado inventário dos bens a serem alienados, inclusive para, eventualmente, realizar leilão de sucata separadamente do material ainda recuperável, tendo e vista também o equipamento que poderá ser útil ao patrimônio histórico”

No Acórdão, o TCU exarou a seguinte determinação:

“[ACÓRDÃO]
9.3.2 promova a distinção entre vagões e/ou materiais recuperáveis daqueles considerados irrecuperáveis ou sucata, realizando certames distintos para cada tipo de bem a ser alienado”

A metodologia adotada pelo TCU aparentemente toma por base a classificação pelo Decreto nº 99.658/1990, o qual regulamenta o reaproveitamento, a movimentação, a alienação e outras formas de desfazimento de material pela Administração Pública Federal.

O art. 3º, parágrafo único, daquele Decreto (cuja leitura é de todo pertinente), separa o material considerado inservível no âmbito da Administração Pública Federal em material: a) ocioso; b) recuperável; c) antieconômico; e d) irrecuperável.

E, em sendo esse o critério adotado pelo Tribunal de Contas da União, parece ser de todo recomendável que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal o observem, ainda que seja possível formular outros métodos.

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