Ao editar o regulamento de licitações e contratos de estatal, conforme a Lei nº 13.303/2016, é possível prever vedação à participação de consórcios?

Estatais

A autorização ou a vedação da participação de empresas reunidas em consórcios relaciona-se diretamente ao dever de planejamento. Isso porque a decisão sobre o assunto está intimamente vinculada à necessidade ou não de adoção dessa medida como instrumento apto a ampliar a competitividade em face das peculiaridades do objeto licitado e do mercado em que ele se insere.

É preciso avaliar as condições de oferecimento da solução almejada no mercado e, assim, verificar se os contornos que lhe foram dados pela estatal implicam restrição artificial à participação no certame.

Caso fique evidenciado que a execução integral do objeto não é comumente oferecida no mercado, de modo que o cumprimento do escopo depende da atuação de empresas diversas, caberá à estatal adotar um dos mecanismos legais de ampliação da competição, que são a divisão em itens, a admissão de consórcio e a autorização para subcontratação.1

A compreensão do cenário sobre a participação de consórcios em licitação, que perpassa pela avaliação de critérios de conveniência e oportunidade diante das peculiaridades do mercado em que se insere o objeto licitado, é indispensável para depreender as razões que tornam necessária a apresentação de justificativas, em cada caso concreto, seja para afastar ou para autorizar a participação de empresas consorciadas.

Sopesar todos os reflexos decorrentes da decisão em torno da participação ou não de consórcios na etapa de planejamento é essencial para definir as regras editalícias que conduzirão o julgamento do certame, até porque a omissão do edital sobre o assunto pode conduzir à conclusão pela impossibilidade de empresas consorciadas acudirem à licitação e, assim, ser prejudicado o interesse público envolvido.2

Você também pode gostar

Nesse aspecto, é válido ressaltar que, embora a orientação do Tribunal de Contas da União (TCU) não seja assertiva no que tange à consequência da omissão do edital a respeito da participação de consórcios, ela é expressa sobre a necessidade de que a autorização ou a vedação sejam acompanhadas da justificativa técnica correspondente:

O TCU analisou relatório de auditoria em que uma das irregularidades apontadas era a vedação à participação de empresas em consórcio em processo licitatório. O Relator registrou em seu voto que ‘há que se demonstrar com fundamentos sólidos a escolha a ser feita pelo 27gestor durante o processo de licitação no que toca à vedação da participação de consórcios, ou mesmo à sua autorização. Deve-se analisar com a profundidade que cada empreendimento estará a requerer, por exemplo, o risco à competitividade, as dificuldades de gestão da obra, a capacitação técnica dos participantes, fatos estes que poderão gerar atraso nas obras como um todo, implicando em grandes prejuízos ao Erário. Outros aspectos deverão dimensionar a complexidade do empreendimento, os riscos de contratação de empresas sem qualificação para a assunção de encargos além de suas respectivas capacidades técnica, operacional ou econômico-financeira, todos esses fatores que estarão a sopesar a decisão que deverá ser tomada pelo gestor’. Tendo em vista todas as variantes que devem ser consideradas para a tomada de decisão, o Relator concluiu, com anuência do Plenário, que ‘há que se ponderar para o fato de que cabe ao gestor definir qual o caminho a tomar relativamente à participação ou não de consórcios, de forma motivada no âmbito do processo licitatório‘. Precedente citado na decisão: Acórdão nº 1.246/2006, do Plenário. (TCU, Acórdão nº 1.165/2012, Plenário, Rel. Min. Raimundo Carreiro, DOU de 18.05.2012, Informativo nº 106, período de 14 a 18.05.2012.) (MENDES, 2017.) (Grifamos.)

Nessa linha de ideias, não parece possível que as estatais uniformizem os atos correspondentes à autorização ou à vedação da participação de consórcios em licitação, visto que as particularidades de cada caso concreto indicarão a melhor alternativa a ser adotada.

Independentemente de as licitações serem processadas sob o regime da Lei nº 8.666/1993 ou da Lei nº 13.303/2016, o que a estatal poderia fazer é editar um normativo interno estabelecendo os critérios que devem ser avaliados em cada caso concreto, indicando uma espécie de checklist para a tomada da decisão a respeito do assunto.

Desse normativo poderia constar, por exemplo, as seguintes questões:

a) O objeto contempla obrigações de diferentes especialidades?

b) Havendo obrigações de diferentes especialidades, todas se caracterizam como de maior relevância técnica e econômica?

c) Qual o quantitativo do objeto pretendido?

d) O objeto é técnica e economicamente passível de divisão?

e) Não sendo técnica e economicamente divisível o objeto, é comum que as empresas o executem isoladamente? Ou, diversamente, as empresas reúnem-se em consórcio ou procedem à subcontratação de determinadas parcelas?

 Gostando deste post? Que tal aprender ainda mais sobre o novo regime de contratações das Estatais? Participe do Encontro Nacional das Estatais promovido pela Zênite, para informações clique aqui! 🙂

Com base nas respostas a essas questões e a outras que eventualmente decorram das especificidades do objeto pretendido, a estatal terá condições de estabelecer justificativas técnicas aptas a motivar a autorização ou a vedação à participação de empresas reunidas em consórcio no procedimento licitatório a ser deflagrado.

Portanto, como a decisão pela possibilidade ou não de empresas consorciadas acudirem ao certame depende de análise de conveniência e oportunidade em razão das peculiaridades do objeto pretendido e do segmento do mercado em que ele se insere, é indispensável justificativa individual em cada processo licitatório para a aplicação ou não do consórcio. Em outros termos, a estatal deverá avaliar, em cada caso, se a execução satisfatória do objeto e a garantia à ampla competitividade dependem ou não da autorização de reunião de empresas em consórcio.

Nesse sentido, não se vislumbra a possibilidade de a estatal definir regra regulamentar genérica vedando o consórcio. O que pode ser feito é exarar normativo interno que indique os critérios básicos que deverão ser empregados na análise da questão relativa à participação dos consórcios em licitações, nos moldes anteriormente explicados.

REFERÊNCIAS

MENDES, Renato Geraldo. LeiAnotada.com. Lei nº 8.666/93, nota ao art. 33, categoria Tribunais de Contas. Disponível em: <http://www.leianotada.com>. Acesso em: 28 dez. 2017.

MOREIRA, Egon Bockmann. Os consórcios empresariais e as licitações públicas – Considerações em torno do art. 33 da Lei nº 8.666/93. Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 126, p. 756, ago. 2004.

Revista Zênite ILC – Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 158, p. 423, abr. 2007, seção Perguntas e Respostas.

1 Especificamente sobre a participação de consórcios em licitação, recomenda-se a leitura Revista Zênite ILC, 2007, p. 423.

2 A respeito, recomenda-se a leitura de MOREIRA, 2004, p. 756.

Nota: Esse material foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, na seção Orientação Prática. A Revista Zênite e o Zênite Fácil esclarecem as dúvidas mais frequentes e polêmicas referentes à contratação pública, nas seções Orientação Prática e Perguntas e Respostas. Acesse www.zenite.com.br e conheça essas e outras Soluções Zênite.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores