Compliance e pandemia: por que a gestão de riscos pode ser um instrumento importante de enfrentamento à crise?

Contratos AdministrativosPlanejamento

É verdade que a introdução da ideia de compliance
no Brasil antecede os anos 2000, tendo em
vista que, ainda em 1998, foram publicadas a Resolução n. 2.554 do Banco
Central do Brasil
e a Lei n. 9.613/1998 que já
tratavam da implementação de controles
internos
.

Contudo, a proliferação da “filosofia” do compliance no Brasil somente se
deu com a Lei n. 12.846/2013, chamada de Lei Anticorrupção, que tem
como origem a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Brasil
por meio do Decreto n. 3.678/2000.

Em 2015, após a grande repercussão da
Operação Lava Jato deflagrada no ano anterior e responsável pela revelação dos
esquemas de corrupção estabelecidos na Petrobrás, as disposições da Lei
Anticorrupção finalmente foram regulamentadas pelo  Decreto n. 8.420/2015, o que fortaleceu, e até mesmo escancarou, a
necessidade da implementação do compliance pelas empresas e pelos órgãos
públicos.

Somando-se ao coro, o projeto da nova Lei Geral de Licitações n. 1.292,
de 1995
, dentre outras previsões acerca dos programas de
integridade, exige a sua efetiva
implantação pelo licitante vencedor, para as contratações de grande vulto
.

E o que
seriam esses programas de compliance e de integridade?

Você também pode gostar

Conforme o material Prevenção à Corrupção: um Guia
para Empresas
produzido pela Alliance for Integrity[1], o
programa de compliance consiste em um conjunto de procedimentos que tem
como objetivo assegurar o cumprimento do
ordenamento jurídico vigente e das regras internas
do próprio órgão público
ou da própria sociedade empresária.

Mas o conceito vai muito além da conformidade legal. Em oposição à repressão que,
normalmente, impõe-se diante da concretização dos danos, os programas de compliance
agem, tanto na Administração Pública quanto na iniciativa privada, na
promoção do comportamento ético e da cultura da integridade.

Por sua vez, segundo o  Manual para Implementação de Programas de
Integridade: Orientações para o Setor Público
elaborado
pela Controladoria-Geral da União (CGU), o programa de integridade pode ser
compreendido como “o conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a
prevenção, detecção, punição e
remediação
de fraudes e atos de
corrupção
”.

Portanto, segundo infere-se da orientação
dada pela CGU e consoante o artigo 41 do já mencionado Decreto n. 8.420/2015, a ideia de programa de compliance
engloba o de integridade.

Nesse viés, o fortalecimento da imagem e
da reputação da instituição, o aumento do valor, da confiabilidade e da
credibilidade são alguns dos benefícios
diretos da implantação efetiva de um programa de compliance.

Tudo isso
com o “bônus” referente à detecção e prevenção de fraudes, bem como de atos de
corrupção.

É
nesse ponto que os programas de compliance e de integridade, enquanto
conjunto de procedimentos internos que previnem e detectam a ocorrência de atos
irregulares, ganham especial
protagonismo
, especialmente em
contextos marcados pela instabilidade e pela tensão.

Com o reconhecimento do estado de
calamidade pública em decorrência do COVID-19, por meio do Decreto Legislativo n. 06/2020, pouco a
pouco, uma crise sanitária,
econômica e até mesmo política foi tomando corpo no Brasil.

Paralelamente, escândalos de corrupção se multiplicaram pelo país, sendo que,
entre abril e agosto, a Controladoria-Geral da União e demais
órgãos de controle participaram de 27 operações especiais com a Polícia Federal
a fim de apurar irregularidades na destinação dos recursos públicos em diversos
Estados brasileiros.

Esse dado, por si só, evidencia que um
cenário de crise pode constituir um campo propício para a multiplicação de atos
irregulares, sobretudo nas contratações públicas.

Entretanto, para além do desperdício do
dinheiro público, outros diversos efeitos negativos podem ser sentidos tanto na
esfera pública quanto na privada, o principal deles: a falta de confiança nas instituições e no próprio regime democrático.

É evidente que muitos casos podem ser
explicados basicamente pela existência de má-fé, mas, por outro lado, como
explica o professor Bruno
Pires Bandarovsky, em consulta ao Legal, Ethics e Compliance (LEC)[2], essa
conjuntura pode estar atrelada ao fato de que, em meio a uma crise, os líderes são incapazes de reconhecer claramente os problemas e,
consequentemente, de atribuir respostas eficazes e imediatas, tal qual o
momento demanda.  

Muito
além da elaboração e implementação de códigos de ética e de conduta (ou
instrumentos equivalentes), um programa
de compliance perpassa necessariamente pelo mapeamento e gerenciamento
de riscos
, o qual deve ocorrer de forma periódica.

Dito
isso e ciente da dificuldade do gestor em identificar problemas, nota-se que a análise periódica do perfil da
instituição e dos riscos a que ela se submete mostra-se de extrema relevância
,
pois, quando há um mapa completo dos possíveis eventos de risco, aliado a um
diagnóstico apurado dos eventuais impactos e probabilidades com que possam
ocorrer, bem como as medidas a serem adotadas, sobretudo as de mitigação e
controle, a gestão se torna muito mais
eficaz
.

É
claro que o mapeamento dos riscos depende das particularidades identificadas
para cada instituição e o “apetite de risco” definido pelo gestor, contudo, existem determinadas situações que
acendem uma “luz de alerta”

Se
um processo licitatório, desde a fase de planejamento até a efetiva execução do
contrato, em tempos “normais”, importa no gerenciamento de inúmeros eventos de
risco, uma conjuntura de escassez e de
crise de saúde revela-se uma situação que merece atenção redobrada
,
principalmente para detectar possíveis contratações fraudulentas.

Assim,
num contexto onde as regras para as contratações públicas foram flexibilizadas
a fim de dar efetividade às políticas públicas de combate à pandemia, de forma
que as contratações diretas (art.
24, inciso IV, da Lei n. 8.666/1993 c/c
art. 4º da Lei Federal n. 13.979/2020)
vêm sendo intensamente empregadas, é
essencial que a Administração consiga criar mecanismos de monitoramento e
controle dos riscos por meio da gestão de terceiros
, tal qual a due diligence dos potenciais
fornecedores de produtos e serviços.

A due diligence, conforme a LEC,consiste em um “processo estruturado de estudo, auditoria, investigação e avaliação
dos riscos e oportunidades”
realizado antes da concretização de qualquer
relação jurídica com um terceiro.

A
obtenção de informações sobre as mais diversas esferas de um potencial fornecedor,
especialmente no que toca às práticas que se relacionam a sua conduta ética no
mercado, torna a Administração Pública apta a tomar decisões mais conscientes, pois
projeta previamente quais efeitos, isto é, os riscos e as oportunidades, que
poderão advir daquela relação contratual.

Portanto,
notadamente em relação às contratações diretas, adue diligence mostra-se
fundamental no momento da escolha do fornecedor.


que se lembrar que a avaliação dos riscos, consoante advertência da LEC,
não deve ser compreendida como mera ação emergencial, tendo em vista que tais medidas constituem “instrumentos essenciais
para a manutenção, longevidade e a evolução de empreendimentos de todas as
naturezas”.

Até porque, embora a pandemia decorrente do coronavírus seja descrita como um evento sem precedentes contemporâneos, é certo que tanto o setor público quanto o setor privado sempre estarão sujeitos a um algum tipo de crise – às vezes, de maior ou menor magnitude -, motivo pelo qual é preciso desenvolver um plano consistente de compliance, com monitoramento periódico, capaz de iluminar a zona obscura dos riscos e reprimir os efeitos da crise, quando ela eventualmente se instalar.

Referências

BRASIL. Controladoria-Geral da União. CGU
monitora aplicação dos recursos federais repassados a estados e municípios.
Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/coronavirus/cgu-monitora-aplicacao-dos-recursos-federais-repassados-a-estados-e-municipios> Acesso em agosto de 2020.

______. Ministério da Transparência e
Controladoria-geral da União. Manual para Implementação de Programas de
Integridade: Orientações para o Setor Público. Brasília: CGU, 2017, p. 06-07.

LEGAL, ETHICS E COMPLIANCE (LEC). Descubra a
importância da avaliação de riscos em momentos de crise! Disponível em: <https://lec.com.br/blog/avaliacao-de-riscos/> Acesso em agosto de 2020.

______. Due Diligence: entenda o que é e quais
são as suas aplicações. Disponível em: <https://lec.com.br/blog/due-diligence-entenda-o-que-e-e-quais-sao-as-suas-aplicacoes/> Acesso em agosto de 2020.

MARTINEZ, André de Almeida Rodrigues. Compliance
no Brasil e suas origens. Disponível em: http://www.ibdee.org.br/compliance-no-brasil-e-suas-origens . Acesso em 24 de agosto de 2020.

SERPA, et al. Prevenção à Corrupção: Um Guia
para Empresas. São Paulo: Alliance for Integrity, 2016, p. 05-06.


[1]. Disponível em: https://www.allianceforintegrity.org/pt/alliance-for-integrity/sobre-nos/. Acesso em: 24 de agosto de 2020. A Alliance for
Integrity foi criada para promover e fortalecer um comportamento de compliance
no setor privado

[2] A LEC Legal, Ethics & Compliance se tornou a
maior comunidade dedicada à difusão de cultura de compliance do mundo.
Disponível em: https://www.lec.com.br/sobre.html. Acesso em: 24 de agosto de 2020.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores