Considerações iniciais a respeito da Medida Provisória nº 961

Contratação diretaRDC - Regime Diferenciado de Contratações Públicas

Foi publicada no Diário Oficial da União
de 07 de maio deste ano, a Medida Provisória nº 961, que estabelece medidas
aplicadas no âmbito das contratações públicas.

A fim de contribuir para o debate e
reflexão acerca das disposições contidas nessa norma e sem o objetivo de
exaurir o assunto, passo a tecer algumas considerações acerca do seu conteúdo.

Basicamente, o art. 1º da Medida Provisória nº 961 promove três novidades em matéria de contratação pública:

1. ampliação dos valores limites para contratação direta por dispensa de licitação com base nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 (art. 1º, inc. I)

2. autorização para previsão de realização depagamento antecipado nas licitações e nos contratos pela Administração (art. 1º, inc. II); e

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3. autorização para adoção do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC em todo e qualquer caso e não apenas nas hipóteses previstas pela Lei nº 12.462/2011 que instituiu esse regime (art. 1º, inc. III).

Consoante dispõe o art. 1º da MP nº 961,
as medidas estabelecidas por este ato normativo são aplicadas “à administração
pública de todos os entes federativos, de todos os Poderes e órgãos
constitucionalmente autônomos”.

A respeito dos novos valores limites
para a contratação direta por dispensa de licitação, diferentemente da redação
empregada pelos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, que estabelece
o limite para a dispensa de licitação em até 10% (dez por cento) do valor
limite para a modalidade convite, a MP nº 961 definiu os novos limites por meio
da fixação de valores nominais.

No caso de obras e serviços de
engenharia, passa-se a admitir a contratação direta por dispensa de licitação com
base no inc. I do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, desde que a contratação não
ultrapasse o valor de até R$ 100.000,00 (cem mil reais). Para outros serviços,
compras e alienações, o valor limite para a dispensa de licitação com base no
inc. II do mesmo art. 24 passa a ser de até R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Conforme pode-se observar, a MP nº 961
equipara os valores limites para a dispensa de licitação com base nos incisos I
e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 àqueles aplicados no âmbito das
contratações das empresas estatais, regidas pela Lei nº 13.303/2016. Em 2016,
quando a Lei nº 13.303/2016 foi publicada, definiu nos incisos I e II do seu
art. 29 esses mesmos valores para as contratações diretas por dispensa de
licitação celebradas pelas empresas estatais.

Não obstante, cumpre atentar que a MP nº
961 continua vedando a prática do fracionamento indevido das contratações para
viabilizar o enquadramento no limite para a dispensa de licitação.

O fracionamento indevido caracteriza-se
quando se divide a despesa para enquadrar a contratação em hipótese de
contratação direta por dispensa de licitação em função do valor.

Justamente por isso, a MP nº 961
ressalta que a obra ou serviço de engenharia contratado diretamente, com base
no inc. I do art. 24 da Lei nº 8.666/1993, não pode se referir a parcelas de
uma mesma obra ou serviço, ou, ainda, para obras e serviços da mesma natureza e
no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. De igual
sorte, no caso das contratações com fundamento no inc. II do mesmo art. 24, o
objeto contratado diretamente não pode se referir a parcelas de um mesmo
serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só
vez.

A respeito da autorização para a
Administração prever o pagamento antecipado nas licitações e nos contratos, a
MP nº 961 condiciona a adoção dessa prática a demonstração, no respectivo
processo administrativo de contratação, da configuração de uma das seguintes
condições:

1. essa prática represente condição indispensável para obter o bem ou assegurar a prestação do serviço; ou

2. essa prática propicie significativa economia de recursos.

Sem a comprovação de atendimento a uma
dessas condições, a previsão de pagamento antecipado, assim como a sua prática,
carecerá de amparo legal, submetendo os agentes responsáveis às consequências.

Para realizar o pagamento antecipado a
norma exige que essa condição seja prevista no edital, no caso de a contratação
ser antecedida da realização de processo licitatório, ou no termo de
adjudicação direta, se antecedida de dispensa ou inexigibilidade de licitação
(art. 1º, § 1º, inc. I).

Além disso, a realização de pagamento
antecipado impõe à Administração exigir a devolução integral do valor pago antecipadamente
na hipótese de inexecução do objeto (art. 1º, § 1º, inc. II). Essa condição
deve estar prevista no instrumento por meio do qual a contratação for
celebrada.

A par dessas condições, a MP nº 961
autoriza a Administração a adotar medidas para prevenir o risco de
inadimplemento contratual. Nesse sentido, forma-se o disposto no § 2º do seu
art. 1º:

Art. 1º (…)

§ 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como:

I – a comprovação da execução de parte ou de etapa inicial do objeto pelo contratado, para a antecipação do valor remanescente;

II – a prestação de garantia nas modalidades de que trata o art. 56 da Lei nº 8.666, de 1993, de até trinta por cento do valor do objeto;

III – a emissão de título de crédito pelo contratado;

IV – o acompanhamento da mercadoria, em qualquer momento do transporte, por representante da Administração; e

V – a exigência de certificação do produto ou do fornecedor”.

Da redação do § 2º do art. 1º da MP nº 961 pode-se formar as seguintes conclusões:

1. a adoção de qualquer uma das medidas preventivas arroladas no § 2º não afasta a incidência da regra instituída pelo § 1º, ou seja, o fato de a Administração adotar medidas preventivas para reduzir o risco de inadimplemento contratual, por si só, não autoriza realizar o pagamento de forma antecipada, sem que reste devidamente demonstrado no respectivo processo administrativo de contratação o preenchimento de uma das condições fixadas pelos incisos do § 1º para a adoção dessa prática;

2. a adoção de medidas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual constitui uma faculdade e não um dever, pois o dispositivo deixa claro que “Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual”. Assim, trata-se de uma competência discricionária, ou seja, compete ao administrador, diante de cada caso concreto, realizar um juízo de conveniência e oportunidade, a fim de motivar adequadamente a adoção (ou não), e a medida a ser empregada, quando for esse o caso;

3. o rol de medidas preventivas previsto nos incisos I a V do § 2º do art. 1º da MP nº 961 possui natureza meramente exemplificativa e não exaustiva. Ou seja, o administrador poderá adotar outras medidas com o objetivo de reduzir o risco de inadimplemento contratual, ainda que não tenham sido arroladas expressamente pelo dispositivo. Essa compreensão se forma na medida em que a norma deixa claro que “a Administração poderá prever cautelas aptas a reduzir o risco de inadimplemento contratual, tais como” aquelas ali previstas e não apenas aquelas ali previstas.

Agora atente-se, o fato de a adoção de
medidas para prevenir o risco de inadimplemento contratual ser facultativa não
significa que o administrador esteja autorizado para simplesmente não as exigir
ou apenas as exigir se quiser. No exercício da função pública não se deve
confundir discricionariedade com arbitrariedade.

Desse modo, considerando que a
realização de pagamento antecipado deve constituir exceção, somente se
justificando quando essa prática representar condição indispensável para a
Administração obter o bem ou assegurar a prestação do serviço, ou, ainda,
quando essa prática propiciar significativa economia de recursos, julga-se
fundamental que o administrador, além de demonstrar no respectivo processo
administrativo de contratação o atendimento a uma dessas condições, também
avalie a situação fática a partir de uma detida análise de riscos que a
envolvem, o que lhe auxiliará na definição da adoção (ou não) de cautelas aptas
a reduzir o risco de inadimplemento contratual.

Não é demais lembrar que, na forma do
parágrafo único do art. 20 do Decreto-Lei nº 4.657/1942, a Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro, “A motivação demonstrará a necessidade e a
adequação da medida imposta (…), inclusive em face das possíveis alternativas”.
É justamente por meio da motivação, então, que o administrador demonstrará a
necessidade e a adequação da medida adotada, inclusive consideradas as
possíveis alternativas e observados os critérios de adequação,
proporcionalidade e de razoabilidade.

Sob esse enfoque, entendemos que mesmo
na hipótese de o administrador decidir por não prever cautela alguma para
reduzir o risco de inadimplemento contratual, ainda que não estivesse obrigado
a estabelecer essas medidas, dado o caráter excepcional do pagamento antecipado
deverá justificar sua opção.

Ainda em relação ao pagamento
antecipado, cumpre destacar que a MP nº 961 vedou a adoção dessa prática nas
contratações cujo objeto envolva prestação de serviços com regime de dedicação
exclusiva de mão de obra (art. 1º, § 3º).

A terceira novidade em matéria de
contratação pública estabelecida pela MP nº 961 diz respeito à ampliação das
hipóteses de cabimento do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC.

O Regime Diferenciado de Contratações
Públicas – RDC foi instituído pela Lei nº 12.462/2011, que no seu art. 1º prevê
que a aplicação desse regime ocorrerá exclusivamente às licitações e
contratos necessários à realização:

I – dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e

II – da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo – Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 – CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios;

III – de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados da Federação distantes até 350 km (trezentos e cinquenta quilômetros) das cidades sedes dos mundiais referidos nos incisos I e II.

IV – das ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) (Incluído pela Lei nº 12.688, de 2012)

V – das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS. (Incluído pela Lei nº 12.745, de 2012)

VI – das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015)

VII – das ações no âmbito da segurança pública; (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015)

VIII – das obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística; e (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015)

IX – dos contratos a que se refere o art. 47-A. (Incluído pela Lei nº 13.190, de 2015)

X – das ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação. (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016)

Agora, de acordo com o disposto no art.
1º, inc. III da MP nº 961, os órgãos e entidades da Administração Pública de
todos os entes federativos, de todos os Poderes, assim como os órgãos
constitucionalmente autônomos, estão autorizados a aplicar o Regime Diferenciado
de Contratações Públicas – RDC, “para licitações e contratações de quaisquer
obras, serviços, compras, alienações e locações”.

Em termos práticos, a MP nº 961 amplia o
leque de opções para o administrador público. Antes, para licitar aplicando o
regime jurídico – conjunto de normas, regras e princípios, definido pela Lei nº
12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas –
RDC, era preciso que o objeto pretendido se enquadrasse em uma das hipóteses
expressamente arroladas nos incisos do art. 1º desta lei. Não sendo esse o
caso, o regime jurídico aplicado para a licitação seria aquele definido pela
Lei nº 8.666/1993 e demais normas correlatas, a exemplo da Lei nº 10.520/2002.

Agora, a MP nº 961 permite ao
administrador escolher qual regime jurídico empregará para a formação e o
desenvolvimento do seu contrato, se será aquele instituído pela Lei nº 8.666/1993
ou se será aquele determinado pela Lei nº 12.462/2011.

Novamente, encontrando-se o
administrador diante de uma competência discricionária, impõe-se decidir com
base em critérios de conveniência e oportunidade. Ora, na medida em que o
interesse público é superior e indisponível, tendo o administrador mais de uma
forma de atendê-lo, deverá sempre optar pela alternativa mais conveniente e
oportuna, diga-se, deverá sempre optar pela alternativa que proporcionar o
atendimento dos fins pretendidos com a máxima eficiência.

Nesse caso, não se deve perder de vista
que a motivação constitui elemento para a validade e controle do ato, razão
pela qual entendemos, seja qual for a opção do administrador – licitar pela Lei
nº 8.666/1993 ou pela Lei nº 12.462/2011, deverá constar dos autos do processo
administrativo de contratação motivação capaz de demonstrar que no caso fático
a opção feita recaiu sobre a alternativa mais vantajosa para atendimento daquela
situação.

Por último, cumpre destacar que na forma
do art. 2º da MP nº 961, “O disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos
atos realizados durante o estado de calamidade
reconhecido pelo Decreto
Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”.

Observa-se que a Medida Provisória não
restringiu a aplicabilidade das suas disposições apenas aos contratos cujos
objetos sejam destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional decorrente do coronavírus.

Em vez disso, a MP nº 961 faz remissão
expressa ao cabimento de suas disposições “aos atos realizados durante o estado
de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020”.

Tomada a situação em exame sob esse
prisma, vale lembrar que o art. 1º do Decreto Legislativo nº 6, de 2020, reconhece
“a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro
de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por
meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020”.

Dessa feita, seria possível concluir que
as disposições fixadas pela MP nº 961 poderão ser aplicadas, independentemente
de o objeto a ser contratado relacionar-se ou não com o enfrentamento da
emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do
coronavírus, enquanto perdurar o estado de calamidade pública reconhecido pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 2020, o que deve ocorrer, a princípio, até o dia 31
de dezembro de 2020.

Essa compreensão é reforçada pelo
disposto no parágrafo único do art. 2º da MP nº 961 que estabelece que “O
disposto nesta Medida Provisória aplica-se aos contratos firmados no período de
que trata o caput independentemente do seu prazo ou do prazo de suas
prorrogações”.

Como dito inicialmente, essas
considerações não têm o objetivo de exaurir a matéria e pretendem apenas
contribuir para o processão de reflexão e compreensão das novidades instituídas
pela Medida Provisória nº 961.

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