Contratos administrativos em andamento serão impactados pela pandemia da Covid-19 (coronavírus). Como a Administração direta, indireta e as estatais devem atuar na avaliação dessas repercussões e na condução das alterações desses contratos?

Contratação diretaContratos AdministrativosLicitação

O primeiro caso da
pandemia pelo novo coronavírus, SARS-CoV2, foi identificado em Wuhan, na China,
no dia 31 de dezembro de 2019. Desde então, os casos começaram a se espalhar
rapidamente pelo mundo.

Em fevereiro, a
transmissão da Covid-19 (nome dado à doença causada pelo SARS-CoV2) no Irã e na
Itália chamaram a atenção pelo crescimento rápido de novos casos e mortes. Em
março, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu o surto da doença como
pandemia.

O reflexo provocado por essa pandemia sobre as mais diversas relações é devastador. Restrições ao convício social e o estabelecimento de isolamento, quarentena [1] e de medidas restritivas à locomoção de pessoas determinam, por consequência, a estagnação da atividade econômica e a descontinuidade do exercício das mais variadas atividades. Exceção ocorre com relação à prestação de serviços de saúde e atividades essenciais, como energia, saneamento, combustíveis, abastecimento de mercados e farmácias.

No âmbito da
Administração Pública não é diferente. A fim de conter a transmissão da Covid-19,
os serviços de atendimento ao público foram restritos apenas aos casos envolvendo
atividades essenciais. Assim, muitos servidores estão autorizados a realizar
suas atividades em regime de home office
e inúmeras medidas de prevenção foram implementadas, a exemplo do aumento da
frequência da higienização de bens e ambientes.

Exemplo de medida adotada
diante desse cenário foi a edição da Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as
medidas que poderão ser adotadas para o enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo
surto de 2019.

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Outro exemplo de ação
governamental para lidar com os efeitos da crise sobre o funcionamento da
Administração Pública, no dia 21 de março, o Governo federal publicou, no sítio
eletrônico www.comprasgovernamentais.gov.br, material intitulado “Recomendações
Covid-19 – Contratos de prestação de serviços terceirizados”.

Ainda que as recomendações
envolvam apenas os contratos de prestação de serviços terceirizados e alcancem somente
os órgãos e as entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e
fundacional, entendemos possível estender a adoção de algumas dessas
recomendações para todos os contratos no âmbito de qualquer órgão ou entidade
da Administração Pública brasileira.

Nesse sentido, citamos,
por exemplo, a necessidade de os órgãos e as entidades contratantes avaliarem a
essencialidade das atividades contratadas para a manutenção do funcionamento da
Administração Pública ou para o enfretamento da crise. Também, a fim de adotar
medidas mais eficazes de prevenção para a transmissão da Covid-19, é preciso determinar
a atuação presencial dos prestadores de serviços terceirizados apenas naqueles
casos que envolvem o atendimento de atividades consideradas essenciais pelo
órgão ou pela entidade, ainda assim em patamar mínimo para a manutenção dessas
atividades, a exemplo de segurança patrimonial e sanitária, entre outros.

Outra medida
recomendada compatível com o atual momento e com qualquer tipo de contratação
diz respeito à solicitação para que as empresas contratadas realizem campanhas
internas de conscientização dos riscos e das medidas de prevenção para o enfrentamento
da emergência de saúde pública decorrente da Covid-19, observadas as
informações e as diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde.

A partir dessas duas recomendações,
verifica-se a intenção do Governo federal em prevenir a transmissão dos efeitos
da Covid-19, sendo possível aplicá-las em quaisquer espécies de relações
contratuais, no âmbito de qualquer órgão ou entidade da Administração Pública
brasileira.

Contudo, mais do que
medidas para prevenir a transmissão da Covi-19, a Administração terá de lidar
com os efeitos que essa emergência de saúde pública provocará sobre os
contratos que já estavam em vigor.

Para tanto, parece
possível afirmar, neste momento, que o Direito Administrativo brasileiro não
está preparado e não dispõe de ferramentas capazes de auxiliar o administrador
público a resolver todos os problemas com os quais venha a se deparar. Significa
dizer: pretender resolver todas as situações com base na aplicação dos
institutos conhecidos e dispostos na legislação em vigor, com interpretação
restritiva daquilo que a legislação dispõe, não será eficaz para todas as
situações que a Administração enfrentará
.

Como exemplo citamos a
Lei nº 8.666/1993. Quais os instrumentos dispostos na Lei de Licitações para
lidar com crise dessa dimensão? A supressão de até 25% do valor inicial
atualizado do quantitativo contratado? A suspensão da execução do contrato por
ato unilateral da Administração pelo prazo de até 120 dias? A aplicação de
sanções administrativas pelo descumprimento das obrigações contratadas?

A Lei nº 8.666/1993 não
oferece solução para o problema que agora aflige a sociedade porque não foi
pensada para tanto. A adoção das medidas previstas na Lei nº 8.666/1993 não
surtirá o efeito necessário para lidar com a crise porque seus institutos não têm
essa finalidade.

Dessa forma, simplesmente
rescindir unilateralmente contratos por razões de interesse público, em vez de
resolver o problema, agravará a emergência
, na medida em que trabalhadores
perderão sua fonte de subsistência, indispensável para lidar com os efeitos da
crise, e empresas certamente caminharão para a falência. Pior do que isso,
vencido o momento mais dramático da crise, a rapidez para a recuperação
econômica ficará prejudicada.

Diante desse cenário, é
necessário deixar de lado instrumentos unilaterais e rígidos previstos na
legislação para privilegiar a negociação com os fornecedores, pautada na
composição de capacidades e interesses, tentando priorizar a manutenção dos
vínculos empregatícios
. Somente desse modo, acredita-se, será possível
lidar com a situação sem perder de vista a cautela que o momento exige.


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[Blog da Zênite] Contratos administrativos em andamento serão impactados pela pandemia da Covid-19 (coronavírus). Como a Administração direta, indireta e as estatais devem atuar na avaliação dessas repercussões e na condução das alterações desses contratos?

Dada a excepcionalidade
que marca o atual momento, justifica-se a adoção de soluções excepcionais, o
que pode envolver, por exemplo, medidas que não atendam a todas as prescrições
exigidas pela legislação para um momento ordinário; deixar de privilegiar o
aspecto formal que as relações administrativas impõem; praticar atos que não se
amoldem na íntegra às recomendações feitas pelos órgãos de controle interno e
externo, feitas para momentos em que o administrador não enfrenta crise; entre
outras iniciativas.

Para isso, é preciso
que o gestor público tenha segurança para agir, o que requer, mais do que nunca,
assegurar o comando do art. 22 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução
às Normas do Direito Brasileiro):

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Grifamos)

A Administração Pública
não pode ignorar o fato de ser a maior contratante no mercado interno nacional
, razão pela qual,
diante da crise que assola o país (e o mundo), deve adotar medidas estratégicas
para permitir a rápida recuperação da economia quando a emergência cessar.

A fim de minimizar os
efeitos da crise provocada pela Covid-19, cumpre aos órgãos e às entidades
integrantes da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados,
do Distrito Federal e dos municípios lidarem com os efeitos sobre os muitos
contratos administrativos em andamento e que serão impactados em razão das
repercussões da pandemia.

O caráter extraordinário
da situação enfrentada requer bom senso e cautela, de modo a preservar essas
relações, evitando, ao máximo, o simples desfazimento desses ajustes, o que
conduziria à perda de empregos e à falência das empresas
.

Nesse sentido, entendemos
que os obstáculos e as dificuldades reais enfrentadas pelo gestor, bem como
as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado sua ação
,devam ser consideradas na avaliação
da regularidade das medidas empregadas pelos órgãos e pelas entidades da Administração
direta e indireta e pelas estatais na condução de suas relações contratuais.


[1] Lei nº 13.979/2020: “Art. 2º Para fins
do disposto nesta Lei, considera-se: I – isolamento: separação de pessoas
doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou
encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a
propagação do coronavírus; e II – quarentena: restrição de atividades ou
separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam
doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou
mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível
contaminação ou a propagação do coronavírus”.

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