O fim do carona (finalmente)!

Registro de Preços

[Blog da Zênite] O fim do carona (finalmente)!

Na Revista ILC nº 219/MAI/2012, p. 472, publiquei artigo no qual afirmei que, a meu ver, “o principal defeito do carona é a transgressão ao dever de licitar configurada quando a falta de limites para as adesões realizadas pelos órgãos que não participaram do procedimento permite que o total do contrato extrapole o quantitativo licitado”.

Pois bem, ao que tudo indica, o Plenário do TCU pôs fim a esse vício, ao registrar o entendimento no Acórdão nº 1.233/2012, de que os órgãos e entidades jurisdicionados “ao realizarem licitação com finalidade de criar ata de registro de preços atentem que: (…) em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital”.

Atente-se que, formalmente, o TCU não proibiu o carona, mas impôs um limite que, conjugado com outros, deve restringir bastante essa prática. Afinal, se o órgão que instituiu a ata possui o interesse ou expectativa de utilizar seu quantitativo, a impossibilidade de superar o quantitativo máximo previsto no edital carona torna, na prática, inviável o carona.

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Veja abaixo, as determinações expedidas pelo Plenário do TCU no Acórdão nº 1.233/2012 a respeito dos procedimentos e limites a serem observados por ocasião da instituição e gestão de atas de registro de preços, bem como quando da adesão a essas atas. Na sequência, confira a íntegra do artigo CUIDADOS QUE DEVEM SER OBSERVADOS QUANDO DA ADESÃO A ATAS DE REGISTRO DE PREÇOS DE OUTROS ÓRGÃOS E ENTIDADES que já apontava, antes da publicação do Acórdão, procedimentos agora reconhecidos pelo TCU:

9.3. determinar, com fundamento na Lei 8.443/1992, art. 43, inciso I, c/c RITCU, art. 250, inciso II, à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI/MP) que:

(…)

9.3.2. em atenção ao disposto no Decreto 1.094/1994, art. 2º, inciso I, oriente os órgãos e entidades sob sua jurisdição para que (subitem III.1):

9.3.2.1. ao realizarem licitação com finalidade de criar ata de registro de preços atentem que:

9.3.2.1.1. devem fundamentar formalmente a criação de ata de registro de preços, e.g., por um dos incisos do art. 2º do Decreto 3.931/2001 (Acórdão 2.401/2006-TCU-Plenário);

9.3.2.1.2. devem praticar todos os atos descritos no Decreto 3.931/2001, art. 3º, § 2º, em especial o previsto no seu inciso I, que consiste em “convidar mediante correspondência eletrônica ou outro meio eficaz, os órgãos e entidades para participarem do registro de preços”;

9.3.2.1.3. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo que se o objeto for solução de TI, caso seja integrante do Sisp, deve executar o processo de planejamento previsto na IN – SLTI/MP 4/2010 (IN – SLTI/MP 4/2010, art. 18, inciso III) ou, caso não o seja, deve realizar os devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);

9.3.2.1.4. a fixação, no termo de convocação, de quantitativos (máximos) a serem contratados por meio dos contratos derivados da ata de registro de preços, previstos no Decreto 3.931/2001, art. 9º, inciso II, é obrigação e não faculdade do gestor (Acórdão 991/2009-TCU-Plenário, Acórdão 1.100/2007-TCU-Plenário e Acórdão 4.411/2010-TCU-2ª Câmara);

9.3.2.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;

9.3.3. quando realizarem adesão à ata de registro de preços atentem que:

9.3.3.1. o planejamento da contratação é obrigatório, sendo que se o objeto for solução de TI, caso seja integrante do Sisp, deve executar o processo de planejamento previsto na IN – SLTI/MP 4/2010 (IN – SLTI/MP 4/2010, art. 18, inciso III) ou, caso não o seja, realizar os devidos estudos técnicos preliminares (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX);

9.3.3.2. devem demonstrar formalmente a vantajosidade da adesão, nos termos do Decreto 3.931/2001, art. 8º;

9.3.3.3. as regras e condições estabelecidas no certame que originou a ata de registro de preços devem ser conformes as necessidades e condições determinadas na etapa de planejamento da contratação (Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea d, c/c o art. 3º, § 1º, inciso I, e Lei 10.520/2002, art. 3º, inciso II);

 

CUIDADOS QUE DEVEM SER OBSERVADOS QUANDO DA ADESÃO A ATAS DE REGISTRO DE PREÇOS DE OUTROS ÓRGÃOS E ENTIDADES

por RICARDO ALEXANDRE SAMPAIO

Advogado e consultor jurídico na área de licitações e contratos. Especialista em Direito Administrativo. Diretor de Produtos da Zênite Informação e Consultoria S.A. Coordenador Editorial das Revistas Zênite Informativo de Licitações e Contratos (ILC) e Informativo de Regime de Pessoal (IRP). Colaborador da obra Lei de licitações e contratos anotada. 6. ed. Curitiba: Zênite, 2005. Autor de diversos artigos jurídicos. Ministrante de eventos de capacitação de servidores na área de licitações e contratos administrativos.

Muito já se produziu sobre a adesão a atas de registro de preços por órgãos ou entidades que não participaram da licitação, procedimento denominado vulgarmente como carona, sem que isso tenha esgotado o tema. Pelo contrário, a partir do exercício de nossas atividades diárias, percebemos que o grande volume de contratações realizadas com base no carona passa a requerer apontamentos específicos sobre a formalização desses processos de contratação.

O objetivo deste trabalho consiste em contextualizar o entendimento do autor sobre a legalidade do carona e, na sequência, tecer comentários sobre cuidados mínimos que os gestores públicos devem ter ao lançar mão desse expediente.

O carona foi originariamente instituído pelo Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que, no seu art. 8º, previa desde a redação original:

Art. 8º A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem.

Inicialmente, essa era a única previsão acerca da possibilidade de um órgão ou uma entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório firmar contrato com base na ata de registro de preços de terceiros.

Posteriormente, em 23.08.2002, com as alterações promovidas pelo Decreto nº 4.342, à disciplina em torno do carona foi acrescido o disposto no § 3º desse art. 8º:

Art. 8º (…)

§ 3º As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços.

Como se vê, a conjugação das disposições contidas no caput do art. 8º e em seu § 3º autoriza um órgão ou uma entidade da Administração que não participou da licitação para instituição de determinada ata de registro de preços a firmar contratos com base nessa ata, desde que realizada prévia consulta ao órgão gerenciador, demonstrada a vantagem desse procedimento em comparação à realização de licitação e observado o limite de até 100% do quantitativo registrado em ata.

Em termos práticos, seria possível cogitar que, firmada a contratação por adesão à ata de registro de preços de outro órgão ou entidade, no mínimo formalmente, o dever de licitar imposto pelo art. 37, inc. XXI, da Constituição da República não foi atendido pelo órgão contratante, pois a contratação não foi precedida de procedimento licitatório específico ou de contratação direta com base no disposto nos arts. 24 ou 25 da Lei nº 8.666/93.

Exatamente essa condição tem justificado diversas manifestações doutrinárias apontando a ilegalidade desse procedimento.1 Do mesmo modo, tribunais de contas dos estados também já se manifestaram declarando a ilegalidade do carona, haja vista a sua instituição ter ocorrido por decreto.

Nesse sentido, por exemplo, formou-se a resposta à consulta exarada pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina na Decisão nº 2.392/2007 – Plenário:

6.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:

6.2.1. O Sistema de Registro de Preços, previsto no art. 15 da Lei (federal) nº 8.666/93, é uma ferramenta gerencial que permite ao Administrador Público adquirir de acordo com as necessidades do órgão ou da entidade licitante, mas os Decretos federais e as resoluções regulamentadoras não podem dispor além da Lei das Licitações ou contrariar os princípios constitucionais;

6.2.2. Por se considerar que o sistema de “carona”, instituído no art. 8º do Decreto federal (federal) nº 3.931/2001, fere o princípio da legalidade, não devem os jurisdicionados deste Tribunal utilizar as atas de registro de preços de órgãos ou entidades da esfera municipal, estadual ou federal para contratar com particulares, ou permitir a utilização de suas atas por outros órgãos ou entidades de qualquer esfera, excetuada a situação contemplada na Lei (federal) nº 10.191/2001.2-3

Para nós, o principal defeito da disciplina instituída pelo art. 8º, caput e § 3º, do Decreto nº 3.931/01 não consiste, propriamente, no simples fato de o órgão que não participou da licitação firmar contratos com base na ata de terceiro. Do mesmo modo, também não entendemos que a mácula em torno do carona seja a sua instituição via decreto do chefe do Poder Executivo.

A nosso ver, o principal defeito do carona é a transgressão ao dever de licitar configurada quando a falta de limites para as adesões realizadas pelos órgãos que não participaram do procedimento permite que o total do contrato extrapole o quantitativo licitado. Explica-se.

De acordo com a disciplina constitucional, cada contrato precisa ser precedido de licitação, ressalvados os casos especificados na legislação, ou seja, hipóteses de contratação direta previstas na Lei nº 8.666/93 ou em outras leis específicas.

Então, se um órgão precisa comprar 100 unidades do objeto X, em janeiro, e essa contratação não encontrar amparo em nenhuma hipótese de contratação direta, impõe-se o dever de licitar. Feita a licitação e celebrado o contrato, repetindo-se a necessidade de contratação de mais 100 unidades do mesmo objeto X no futuro, novamente se impõe o dever de licitar. Ainda que o fornecedor aceitasse realizar as mesmas condições praticadas anteriormente, a Lei nº 8.666/93 não admite o “aproveitamento” daquela licitação.

A razão é muito simples. Se fosse possível aproveitar a licitação, a Administração firmaria dois contratos, mas apenas um teria sido precedido de licitação. Com isso, o dever constitucional que determina que as contratações sejam precedidas do devido procedimento licitatório restaria prejudicado em face da segunda contratação. Ou seja, em apenas uma das duas oportunidades teria sido concedida a todos os fornecedores interessados a efetiva possibilidade de disputa visando à celebração de ajuste com a Administração Pública.

É importante lembrar que o dever constitucional de licitar tem uma razão de ser. A licitação é o procedimento que deve, de modo formal, assegurar condições de isonomia a todos aqueles que desejam contratar com a Administração.

E não se pode esquecer que o dever de conceder condições igualitárias de tratamento a todos os interessados em contratar com a Administração Pública está intimamente ligado ao modelo de Estado republicano adotado na Carta Magna. No Estado republicano, a coisa é pública, logo, a Administração nada mais faz senão administrar aquilo que é de todos. Sendo de todos, não se admite a concessão de privilégios ou vantagens a ninguém. Daí porque a própria Constituição assegura que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (…)”.

Além disso, se ao arrecadar suas receitas o Estado exerce seu poder de tributar de forma universal e igualitária, nos exatos limites da lei, por uma questão de justiça e equidade, ao devolver esses recursos à sociedade, deve fazê-lo de forma idêntica, o que impõe assegurar o amplo acesso às contratações a todos os interessados.

Conforme aponta Carlos Ari Sundfeld,

a igualdade de tratamento é a espinha dorsal da licitação. É condição indispensável da existência de competição real, efetiva, concreta. Só existe disputa entre iguais; a luta entre desiguais é farsa (ou, na hipótese melhor: utopia).4

Essas considerações permitem firmar o entendimento de que a licitação tem como finalidade imediata assegurar condições de isonomia a todos os interessados em contratar com a Administração Pública. Uma vez assegurada essa condição, aí sim, advém sua finalidade mediata: selecionar a proposta mais vantajosa. A vantajosidade não é capaz de superar ou afastar a isonomia. Sendo viável e exigível a competição, a celebração de um contrato sem o atendimento ao dever de licitar ou mediante o processamento de licitação que não assegure de modo efetivo a isonomia não será reputada lícita, por mais vantajosa que possa se revelar.

Sob esse enfoque, se o órgão A da Administração processa a licitação para a compra de 100 unidades do objeto X, mas o contrato é celebrado e pago pelo órgão B, essa contratação foi precedida de licitação e, em termos gerais, não parece que exista qualquer ilegalidade, pois o dever de licitar foi atendido.

Assim, justifica-se porque, em nosso entendimento, o principal defeito da disciplina instituída pelo art. 8º, caput e § 3º, do Decreto nº 3.931/01 não se resume, simplesmente, ao fato de um órgão que não participou da licitação firmar contratos com base na ata de terceiro.

Se o órgão A fizesse a licitação e instituísse a ata de registro de preços para 1.000 unidades do objeto X, e durante a sua vigência, com a sua anuência, os órgãos B, C e D firmassem contratos com base nessa ata, cada qual de 200 unidades, e, por sua vez, o órgão A adquirisse as 400 unidades restantes, não haveria violação ao dever de licitar, pois o total contratado encontraria respaldo no total licitado.

Tal condição aproxima-se de uma espécie de sub-rogação dos direitos da ata, o que não requer lei para o seu aperfeiçoamento. Ademais, a Constituição da República não impõe que cada órgão faça a sua licitação, mas sim o dever de as contratações serem precedidas de licitação. Essas razões justificam porque entendemos que a macula em torno do carona não se resume, também, à sua instituição via decreto do chefe do Poder Executivo.

De acordo com o que dissemos antes, o principal defeito do carona é a transgressão ao dever de licitar configurada quando a falta de limites para as adesões realizadas pelos órgãos que não participaram do procedimento permite que o total do contrato extrapole o quantitativo licitado.

Se cada órgão que não participou da licitação pode firmar contratos com base na ata de terceiro, ao limite de 100% do quantitativo registrado, isso significa que, uma vez licitado e registrado o quantitativo de 100 unidades do objeto X, se o órgão gerenciador, que instituiu a ata, adquirir essas 100 unidades e, ainda, ocorrerem mais nove adesões, cada qual no limite de 100% do quantitativo registrado em ata, ao final, terão sido contratadas 1.000 unidades. Nesse caso, 100 foram licitadas, outras 900 foram contratadas por meio de adesões e, o pior, sem disponibilizar a oportunidade de os fornecedores interessados disputarem em condições de igualdade a celebração desses contratos.

É justamente essa distorção entre o quantitativo licitado e o quantitativo contratado que, a nosso ver, viola o dever de licitar e agride os princípios que devem reger o exercício da atividade contratual pela Administração Pública.5

Para ter uma ideia do que ocorre na prática, cita-se trecho do Acórdão nº 1.487/2007 – Plenário do TCU, no qual o Ministro Relator menciona em seu Voto:

a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões.

A única forma de corrigir essa distorção seria alterar a compreensão formada a partir do comando literal do § 3º do art. 8º do Decreto nº 3.931/01. Em vez de proceder à interpretação literal e concluir que cada órgão ou entidade que não participou da licitação pode aderir à ata e firmar contratos com quantitativos de até 100% do total registrado, seria preciso passar a compreender que o total das contratações com base naquela ata, realizadas pelo órgão gerenciador, pelos órgãos participantes e eventuais caronas não poderia ultrapassar 100% do quantitativo registrado.

No intuito de limitar as contratações adicionais, o Decreto nº 7.581/11, que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), passou a prever, em seu art. 102, § 3º, que “a quantidade global de bens ou serviços que poderão ser contratados pelos órgãos aderentes não poderá ser superior a cinco vezes a quantidade prevista para cada item”. Acontece que esse Decreto aplica-se apenas às contratações previstas em seu art. 2º.6

Assim, enquanto não houver uma manifestação formal dos órgãos competentes ou mesmo alteração do regulamento, o problema da falta de limite para as contratações firmadas com base em adesões a atas de registro de preços tende a continuar existindo.

Contudo, a possibilidade de firmar contratos por adesão a atas de registro de preços não pode ser confundida com uma autorização para a formação desses ajustes sem que etapas básicas da fase de planejamento da contratação sejam realizadas.

Muitos gestores têm acreditado que, ao aderir a uma ata de outro órgão ou entidade, o contratante fica dispensado do dever de elaborar um termo de referência, no qual conste a justificativa da necessidade e o detalhamento, justificado, da solução que apresenta a melhor relação custo-benefício para o atendimento da demanda.

Ledo engano. A contratação firmada com base em adesão a atas de outros órgãos, tal qual qualquer outra contratação precedida de licitação, dispensa ou inexigibilidade de licitação, requer a elaboração de termo de referência, no qual necessariamente deverá constar:

a) diagnóstico da necessidade administrativa;

b) caracterização do objeto a ser adquirido;

c) motivação técnica capaz de justificar a contratação do objeto registrado na ata a que se pretende aderir como a solução mais adequada em vista da necessidade administrativa a ser atendida, sem qualquer direcionamento ou emprego de critério subjetivo;7

d) pesquisa de preços apta a demonstrar a compatibilidade dos valores a serem contratados com aqueles correntes no mercado fornecedor;

e) motivação da vantajosidade do procedimento de adesão em vista de eventual instauração de procedimento licitatório específico.

O Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 2.764/2010 – Plenário, determinou à entidade jurisdicionada a observância de requisitos mínimos a serem atendidos quando da adesão a atas de registro de preços firmadas por outros órgãos:

– necessidade de elaborar, em momento prévio à contratação por adesão à ata de registro de preços, termo de caracterização do objeto a ser adquirido, no qual restem indicados o diagnóstico da necessidade e as justificativas da contratação, bem como a demonstração de adequação do objeto em vista do interesse da Administração;8

– dever de realizar pesquisa de preços a fim de atestar a compatibilidade dos valores dos bens a serem adquiridos com os preços de mercado e confirmar a vantajosidade obtida com o processo de adesão;9

– obrigação de respeitar os termos consignados em ata, especialmente seu quantitativo, sendo manifestamente vedada a contratação por adesão de quantitativo superior ao registrado.10

Em outra oportunidade, o TCU também havia se pronunciado acerca da necessidade da elaboração de termo de referência/projeto básico quando da adesão a atas de registro de preços. Essa determinação constou do Acórdão nº 1.090/2007 – Plenário e alinha-se ao primeiro requisito anteriormente indicado.

A regular adesão a atas de registro de preços de outros órgãos exige ainda a realização de consulta ao órgão gerenciador, a qual deve ter sua resposta positiva formalizada nos autos do processo administrativo de contratação.

De igual sorte, a regularidade da adesão requer sua realização e formalização dentro do prazo de validade da ata, o qual, em que pese a literalidade do § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931/01 admitir sua prorrogação para além de doze meses, não pode extrapolar esse limite, conforme entendimento pacificado tanto pela Advocacia-Geral da União, na Orientação Normativa nº 19, quanto pelo TCU, na resposta à consulta formalizada no Acórdão nº 991/2009 – Plenário, respectivamente:

“O prazo de validade da ata de registro de preços é de no máximo um ano, nos termos do art. 15, § 3º, inc. III, da Lei nº 8.666, de 1993, razão porque eventual prorrogação da sua vigência, com fundamento no § 2º do art. 4º do Decreto nº 3.931, de 2001, somente será admitida até o referido limite, e desde que devidamente justificada, mediante autorização da autoridade superior e que a proposta continue se mostrando mais vantajosa”.

“9.2. responder ao interessado que, no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, dentro do prazo de vigência não superior a um ano, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93;”.

Para nós, a formalização da adesão ocorre com a celebração do contrato entre a Administração e o fornecedor beneficiário da ata. Assim, não bastam as anuências do órgão gerenciador e do próprio fornecedor antes da extinção do prazo de validade da ata, pois esses atos são apenas preparatórios para a adesão e não substituem a celebração do contrato.

Sobre a necessidade de a adesão ocorrer enquanto vigente a ata de registro de preços, o TCU expediu recente manifestação no Acórdão nº 1.793/2011 – Plenário:

9.2. determinar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLTI/MP) que:

9.2.1. oriente os gestores dos órgãos integrantes do Sisg:

(…)

9.2.1.4. quando atuarem como gerenciadores de atas de registro de preço, a não aceitarem a adesão após o fim da vigência das atas, em atenção ao art. 4º, caput e § 2º, do Decreto nº 3.931/2001;

(…)

9.2.2. oriente os órgãos integrantes do Sisg:

(…)

9.2.4. implante controles no sistema Siasg de modo a não permitir a aquisição de bens e serviços oriundos de adesão a registro de preço após o fim da vigência da respectiva ata, de forma a observar o disposto no art. 15, § 3º, da Lei nº 8.666/1993 e ao art. 4º, caput e § 2º, do Decreto nº 3.931/2001, ou institua controles compensatórios capazes de evitar a ocorrência dessa irregularidade;

Chamamos a atenção, ainda, para a necessidade de o órgão que adere à ata de registro de preços de terceiro observar as condições registradas em ata, não havendo discricionariedade para modificar e inovar os termos da contratação, especialmente as especificações do objeto, suas condições de execução e seu preço. Em verdade, no mais das vezes,[11] a celebração de contratos em termos distintos daqueles constantes da ata produz a desconfiguração do procedimento de adesão, que, em termos estritos, significaria repetir (aderir) as condições originais da ata.

Se a ata de registro de preços a que se pretende aderir traz minuta de instrumento de contrato, a rigor, esse instrumento deve ser utilizado pelo órgão que adere a essa ata para a formalização do ajuste. A substituição desse instrumento por emissão de nota de empenho de despesa, autorização de compra ou outro similar somente será admitida se configurada uma das situações previstas no caput e no § 4º do art. 62 da Lei nº 8.666/93 que assim autorize. Do contrário, impõe-se a utilização do instrumento de contrato, bem como a publicação de seu extrato na imprensa oficial, na forma do art. 61 e parágrafo único da Lei de Licitações.

Por último, cumpre destacar aspecto diretamente relacionado à gestão dos contratos celebrados com base em adesão a atas de terceiros.

De acordo com o art. 3º, § 2º, do Decreto nº 3.931/01, caberá ao órgão gerenciador a prática de todos os atos de controle e administração do SRP, inclusive a condução dos procedimentos relativos à aplicação de penalidades por descumprimento do pactuado na ata de registro de preços.

Por sua vez, na forma do § 4º desse mesmo artigo, cabe ao órgão participante exercer a fiscalização e o acompanhamento da execução dos contratos firmados com base nessa ata, o que lhe atribui, em coordenação com o órgão gerenciador, o dever de aplicar eventuais penalidades decorrentes do descumprimento de cláusulas contratuais. Ao carona, parece-nos, assiste o mesmo dever.

Assim, a interpretação sistemática desses dois dispositivos conduz ao entendimento de que, quando for celebrado um contrato por órgão carona, e o particular inadimplir esse ajuste, cumpre ao próprio órgão contratante (carona) aplicar as sanções administrativas cabíveis. No entanto, é necessário que a aplicação dessa penalidade ocorra em coordenação com o órgão gerenciador, a fim de que este seja informado para adotar os procedimentos necessários em relação às consequências dessa sanção em face da ata de registro de preços.

Portanto, diante da ocorrência de alguma das hipóteses dos arts. 86 a 88 da Lei de Licitações ou do art. 7º da Lei nº 10.520/02, conforme o caso, no curso da execução do contrato, a Administração contratante (carona) deve instaurar processo administrativo próprio, concedendo ao contratado oportunidade para exercer os direitos ao contraditório e à ampla defesa prévios à aplicação da sanção.

Além disso, o resultado desse processo administrativo sancionatório deverá ser comunicado ao órgão gerenciador, a fim de que este adote outras providências eventualmente devidas, como, por exemplo, a exclusão do fornecedor da ata (art. 13 do Decreto nº 3.931/01).

Por outro lado, cometida a infração em momento preliminar à formação do contrato, como no caso de recusa injustificada em assiná-lo ou para retirar instrumento equivalente, será competência do órgão gerenciador a aplicação de sanções.

Feitas essas considerações, é possível concluir que o instituto do carona, tal qual previsto no art. 8º, caput e § 3º, do Decreto nº 3.931/01, merece ter a sua legalidade revisitada pelos órgãos competentes.

Não obstante essa constatação, enquanto isso não ocorrer e os gestores públicos continuarem a firmar contratos por adesão, alguns cuidados relativos à formação desses processos devem ser observados, especialmente no que diz respeito ao planejamento e à motivação desses ajustes.

 

Como citar este texto:

SAMPAIO, Ricardo Alexandre. Cuidados que devem ser observados quando da adesão a atas de registro de preços de outros órgãos e entidades. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 219, p. 472-478, maio 2012.

1 Cite-se, por exemplo, entendimento do Prof. Joel de Menezes Niebuhr. (NIEBUHR, Joel de Menezes. Carona em ata de registro de preços – Atentado veemente aos princípios de Direito Administrativo. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 143, p. 13, jan. 2006, seção Doutrina/Parecer/Comentários.)

2 Publicada na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 163, p. 935, set. 2007, seção Tribunais de Contas.

3 Do mesmo modo se formou resposta à consulta do Tribunal de Contas do Estado do Paraná: Acórdão nº 986/2011 – Tribunal Pleno: “1. Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Homero Barbosa Neto, Prefeito de Londrina, que questiona: a) Acerca da “possibilidade de o Município aderir às Atas de Registros de Preços de outros entes Administrativos, quer seja da esfera Federal, Estadual ou Municipal, desde que a legislação da origem do órgão detentor da Ata contenha a necessária permissão para tal pretensão”; e (…) ACORDAM OS MEMBROS DO TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ, nos termos do voto do Relator, Auditor IVENS ZSCHOERPER LINHARES, por unanimidade, em: Conhecer da presente consulta para, no mérito, respondê-la pela impossibilidade de os Municípios e entidades submetidas ao regime de direito público, em geral, aderirem às Atas de Registros de Preços, na forma prevista no art. 8º do Decreto nº 3.931/2001, ficando prejudicada a resposta às demais questões propostas pelo consulente”.

4 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 20.

5 Em trabalho a ser publicado, faremos o aprofundamento dessas considerações.

6 “Art. 2º O RDC aplica-se exclusivamente às licitações e contratos necessários à realização: I – dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica – APO; II – da Copa das Confederações da Federation Internationale de Football Association – FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, definidos em instrumento próprio pelo Grupo Executivo da Copa do Mundo FIFA 2014 – GECOPA, vinculado ao Comitê Gestor da Copa do Mundo FIFA 2014 – CGCOPA; e III – de obras de infraestrutura e à contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos Estados distantes até trezentos e cinquenta quilômetros das cidades sedes das competições referidas nos incisos I e II do caput. Parágrafo único. Nos casos de obras públicas necessárias à realização da Copa das Confederações da FIFA 2013 e da Copa do Mundo FIFA 2014, aplica-se o RDC às obras constantes da matriz de responsabilidade celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.

7 Não é demais lembrar que a necessidade de motivar seus atos é um dever de primeira ordem para quem administra bens e interesses de terceiros, como no caso da Administração que tutela interesses públicos. Na situação em exame, pode-se dizer, inclusive, que o princípio da motivação se encontra positivado no art. 50, inc. II, da Lei nº 9.784/99: “Art. 50 Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: (…) II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;”.

8 Nesses termos, o TCU firmou alerta no Acórdão nº 4.974/2010 – 2ª Câmara: “1.6. Determinações/Recomendações/Orientações: (…) 1.6.4. alertar a Superintendência Regional do Ministério do (…) no Estado de Santa Catarina sobre as seguintes impropriedades identificadas nos presentes autos: (…) 1.6.4.2. adesão a atas de registro de preços de outro órgão ou entidade, sem estar prévia e devidamente comprovada a vantagem desta medida, em desacordo com o art. 8º do Decreto 3.931/2001 (item 2.1.5.1 do Relatório da SFCI);”.

9 Também nesse sentido se manifestou o TCU no Acórdão nº 1.793/2011 – Plenário: “9.2. determinar à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SLTI/MP) que: 9.2.1. oriente os gestores dos órgãos integrantes do Sisg: (…) 9.2.1.3. quando se tratar de contratação mediante adesão a ata de registro de preço, a realizarem ampla pesquisa de mercado, visando caracterizar sua vantajosidade sob os aspectos técnicos, econômicos e temporais, sem prejuízo de outras etapas do planejamento, conforme previsto no art. 15, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 c/c os arts. 3º e 8º, caput, do Decreto nº 3.931/1999 e no item 9.2.2 do Acórdão nº 2.764/2010 – TCU – Plenário;” no Acórdão nº 1.092/2011 – Plenário: “1.5. Recomendar à (…), nos termos do art. 250, III, do RITCU, que se certifique da exequibilidade e da coerência entre os preços unitários apresentados e os preços de mercado para cada um dos 952 itens constantes da planilha de preços do Anexo II, previamente à assinatura da Ata de Registro de Preço e em atendimento ao item 8.4 do Edital, bem como corrija o erro material relativo à unidade de referência para brigadistas na planilha de preços unitários;” e no Acórdão nº 65/2010 – Plenário: “9.1. determinar à Secretaria de Saúde do Estado de (…), que por ocasião da utilização de recursos públicos federais: 9.1.1. previamente à realização de seus certames licitatórios e ao acionamento de atas de registro de preço, próprias ou de outros órgãos, e periodicamente durante sua vigência, efetue ampla pesquisa de mercado, considerando os quantitativos, relevantes nas compras em grande escala, a fim de verificar a aceitabilidade do preço do produto a ser adquirido, em obediência aos arts. 3º, 15, inc. V, e 40, inc. X, da Lei 8.666/1993;”.

10 Sobre o assunto, cita-se ainda precedente do TCU formado a partir do Acórdão nº 2.557/2010 – 2ª Câmara: “1.5. Alertar ao (…) que: (…) 1.5.4. abstenha-se de aderir a atas de registro de preços cujos objetos possuam diferenças essenciais em relação às necessidades demonstradas por essa autarquia, a exemplo do ocorrido quando da adesão à Ata de Registro de Preços do Pregão Eletrônico nº 22/2006, do Ministério do Exército, por violar o disposto no § 1º do art. 54 da Lei nº 8.666/1993, c/c o art. 8º do Decreto nº 3.931/2001;”.

11 Diz-se no mais das vezes porque admitimos a possibilidade de, em situações excepcionais, a Administração inovar as condições do contrato a ser firmado com base em adesão em relação àquelas originariamente registradas. Isso seria possível no que diz respeito às cláusulas acessórias da contratação, jamais em face do seu objeto, e desde que com o objetivo de passar a prever condição mais benéfica para a Administração contratante. Assim, imagine-se, por exemplo, que a ata não prevê multa moratória a ser aplicada no caso de atraso na entrega dos bens a serem fornecidos pela contratada, e a Administração que pretende aderir a essa ata, ao negociar com o fornecedor, obtém sua anuência para inclusão dessa condição. O núcleo da obrigação principal (objeto e suas especificações) não sofreria qualquer modificação, mas apenas uma condição acessória da contratação e com o fim de melhor preservar os interesses da Administração contratante.

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