Perfil Normativo do Registro de Preços – 10 Ingredientes Legais

Registro de Preços

Conforme dissemos no post anterior (hoje) vamos tratar do perfil normativo do registro de preços, ou seja, vamos identificar a matéria-prima empregada na “fabricação” dessa realidade ou instituto que conhecemos por registro de preços.

Do art. 15 da nº 8.666/93 é possível extrair dez informações (ingredientes) fundamentais que possibilitarão compreender o conteúdo do registro de preços enquanto realidade jurídica.

As referidas informações (condições) são as seguintes: I) o registro deve ser utilizado, sempre que possível, para processar compras; II) a sua utilização deve ser precedida de uma ampla pesquisa no mercado; III) os preços registrados devem ser publicados, na imprensa oficial, para orientação da Administração; IV) a seleção das propostas deve ser realizada por meio de concorrência; V) deve ser regulada a forma de controle e atualização dos preços registrados; VI) os preços registrados têm validade não superior a um ano; VII) a existência de preços registrados não obriga necessariamente a Administração a realizar suas compras com o fornecedor beneficiário do registro; VIII) o preço registrado deve ser compatível com os praticados no mercado; IX) o cidadão tem legitimidade para impugnar preços registrados; e X) o registro de preços será regulamentado por decreto.

Em relação a tais informações, é possível acrescer duas outras: a) além de ser utilizado para compras, o registro também pode ser adotado para a contratação de serviços e b) além da concorrência, é possível realizar a seleção das propostas por meio de pregão. Essas duas condições foram acrescidas posteriormente ao início da vigência da Lei nº 8.666/93, a primeira delas por força de interpretação lógico-extensiva, e a segunda em razão da aprovação da Lei nº 10.520/02. O fato de se afirmar que além das compras também se pode utilizar o registro de preços para serviços, não implica em se afirmar que ele, eventualmente, não possa ser utilizado para obras e locações, por exemplo. No entanto, esse assunto será tratado em outra oportunidade.

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As dez informações enumeradas funcionam como verdadeiros “ingredientes” normativos com os quais é possível esboçar o perfil do registro de preços. No entanto, é preciso reconhecer que tais informações são insuficientes para quem deseja ir além de um esboço, o que exigirá a necessidade de garimpar outros “ingredientes” em outros “pontos” da ordem jurídica, especialmente na Lei nº 8.666/93.

Esse é um trabalho que precisará ser feito e que caberá ao estudioso realizar. Ademais, para desempenhar bem essa missão, é necessário lembrar que o registro de preços não é uma entidade independente e desconectada da Lei nº 8.666/93; ao contrário, ela observa todas as exigências e se submete a todas as condições próprias do referido regime jurídico. Assim, qualquer afirmação em relação ao registro de preços deve ser pensada a partir desse regime jurídico, e não como algo com vida própria e disciplina independente.

Portanto, vimos que o registro de preços, como realidade jurídica, está previsto e disciplinado no art. 15 da Lei nº 8.666/93. No entanto, é preciso dizer que a disciplina estabelecida pelo referido preceito não é precisa nem adequada.

A imprecisão decorre do fato de que o legislador criou um “ente” jurídico, deu a ele um nome (registro de preços) e disse que ele seria utilizado para processar “compras”. Mas não foi capaz de deixar claro o que ele é realmente, enquanto realidade jurídica, e nem quando é cabível. Mesmo tendo indicado várias condições que o tal registro deve observar, o conjunto de informações materializadas no referido art. 15 é insuficiente para que se tenha, de forma mais direta, resposta para a questão da sua natureza, cabimento e funcionamento, por exemplo.

É possível dizer, no entanto, com base no caput do art. 15, que as compras, sempre que possível, devem ser processadas por meio de registro de preços. Porém, a questão levantada permanece sem resposta, pois remanesce a dúvida: qual o conteúdo da expressão “sempre que possível”? Vale dizer: quando é possível utilizar o registro de preços e quando não é? Qual a fronteira que separa o possível (cabível) do impossível (incabível)? É lícito generalizar a utilização do registro de preços para todas as compras? Quando o legislador determina que o registro de preços, “sempre que possível”, deve ser utilizado para processar compras, é razoável supor que ele está, pelo menos em tese, admitindo que, para determinadas situações, mesmo se tratando de compras, não se pode adotá-lo, ou seja, ele é incabível.

Assim, é de se perguntar: para quais compras o registro de preços não deve ser utilizado? Quando se cria um ente jurídico, é necessário dar a ele um nome específico e atribuir-lhe finalidade e cabimento precisos. Quando o legislador não define o cabimento do instituto criado, acaba transferindo para terceiros essa missão, seja para o chefe do Poder Executivo, que vai regulamentar a sua utilização, mediante decreto, ou para a doutrina e os órgãos de controle e Judiciário, que irão interpretar seu regime jurídico ou apreciar a sua correta aplicação.

Por outro lado, em razão da ausência de uma disciplina legal adequada, os que se dedicam a interpretar tais enunciados normativos têm a função de dar um sentido preciso para o ente jurídico impreciso, a fim de que ele cumpra o seu papel da melhor forma possível, sem deixar de observar a necessária harmonia com os demais valores presentes no regime jurídico.

Portanto, definir o que é o registro de preços, quando ele deve ser utilizado e quando não deve, é fundamental para que possamos dar a ele a melhor utilização possível. No entanto, é preciso deixar claro que a ausência de definição legal não significa autorização para que o chefe do Executivo, a doutrina ou os órgãos de controle possam definir o que bem entendem. Existem limites legais que a ordem jurídica impõe e devem ser respeitados.

Por fim, é preciso reconhecer que não se interpreta um decreto ou mesmo um dispositivo isoladamente considerado, como o art. 15 da Lei n. 8.666/93; o que se interpreta (ou se deve interpretar) é a ordem jurídica como um todo, ainda que a razão que tenha desencadeado o processo de interpretação seja um decreto ou um dispositivo legal específico. A interpretação jurídica é necessariamente um processo sistêmico.  Tais premissas serão importantes para que possamos avaliar inúmeros aspectos que envolvem o tema e que serão objeto dos nossos próximos textos.

Por ora interessa saber apenas que do art. 15 da Lei n. 8.666/93 é possível extrair, pelo menos, 10 importantes ingredientes legais. Como ocorre numa receita culinária eles funcionarão como matéria-prima indispensável para que possamos elaborar, por exemplo, um decreto ou ato regulamentar, bem como o próprio edital que regulará a licitação visando o registro de preços. Ademais, tais ingredientes são indispensáveis no processo de interpretação da ordem jurídica e na resolução dos mais diferentes problemas práticos que precisarão ser resolvidos diariamente e para os quais a ordem vigente não oferece resposta direta e objetiva aos que fazem da Lei n. 8.666/93 seu instrumento de trabalho.

No próximo texto vamos avançar um pouco mais nas nossas reflexões. A cada novo texto vamos reunir novas informações, pois elas são fundamentais para que possamos aprofundar gradualmente a compreensão sobre o registro de preços, o qual definimos no post anterior como sendo: o modelo de contratação destinado a atender, de forma eficiente, às demandas da Administração caracterizadas pela marca da incerteza no tocante ao momento da sua efetiva ocorrência e/ou quantidade.  

Todos temos de ter a clareza de que a matéria-prima do conhecimento é a informação. É com base na informação que desenvolvemos raciocínios e produzimos conhecimento, bem como é com base nela que tomamos decisões e desempenhamos nossas atividades profissionais. Aliás, o que fazemos o tempo todo é tomar decisões e a qualidade delas é diretamente proporcional a qualidade das informações que possuímos. Por isso, uns decidem bem, com segurança e com rapidez; e outros não. Dispor de informações adequadas e seguras é fundamental para o nosso sucesso profissional.

Até o próximo post.

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