Qual o papel da assessoria jurídica nos contratos de prestação de serviços públicos, como gás canalizado ou água? Esses contratos demandam análise prévia?

Contratos Administrativos

De acordo com o art. 62, § 3º, inc. II, da Lei nº 8.666/93, as regras estabelecidas nos arts. 55 e 58 a 61 da mesma Lei apenas serão aplicáveis se forem compatíveis com o regime que disciplina a prestação do serviço público pretendido.

Nem poderia ser diferente, visto que, na contratação de serviços públicos (a exemplo do fornecimento/suprimento de gás natural, energia elétrica, água e esgoto), o Poder Público figura na posição de usuário. Com isso, considerando o princípio da universalidade dos serviços públicos, que impede o estabelecimento de diferenças entre categorias de usuários, a Administração deve se subordinar aos mesmos critérios aplicados a qualquer outro usuário.

Não por outro motivo, a regra é que a prestação de serviços públicos seja feita mediante o estabelecimento de “contratos de adesão”, que se caracterizam justamente pela imposição de regras por um dos polos da relação jurídica (no caso, o prestador do serviço público). Nesse sentido, nos contratos de adesão não há liberdade plena para o estabelecimento das disposições contratuais, que são definidas por uma das partes.1

Por consequência, serão observadas as regras próprias do regime inerente à prestação de serviço público, constantes do contrato de adesão, cujas cláusulas, inclusive, são aprovadas pela entidade responsável pela regulação dos referidos serviços, de acordo com as regras e limitações impostas pelo órgão de regulação estatal, de modo que não parece possível que o Poder Público imponha ao prestador a observância dessa ou daquela disposição da Lei de Licitações.

Assim, nesses contratos, a Administração contratante não elaborará o termo de contrato para formalizar a relação contratual, promovendo a adesão à minuta de contrato previamente existente e aprovada pelo órgão/entidade competente (agência reguladora).

Você também pode gostar

Agora, como não são afastadas as normas gerais da Lei de Licitações que sejam compatíveis com o regime de prestação de serviços públicos, é devida a submissão da contratação aos trâmites usuais e pertinentes para formação da relação contratual, o que faz com que o contrato em questão, ainda que de adesão, seja submetido à análise da assessoria jurídica. São exemplos desses procedimentos a serem seguidos e, por consequência, avaliados pela assessoria jurídica, nos moldes do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93:

a) a fundamentação da contratação na hipótese de contratação direta;

b) a estimativa de consumo;

c) a justificativa quanto à adoção do prazo indeterminado (no caso, exclusividade do fornecedor);2

d) aferição da disponibilidade orçamentária;

e) análise dos requisitos de habilitação, etc.

Especificamente sobre a demonstração das condições de habilitação, não obstante essa seja a regra mesmo nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, fato é que se a contratada não detiver condição de regularidade fiscal, a Administração não poderá ficar sem o objeto da contratação. Nesse caso, a condição de exclusividade da contratada aliada à imprescindibilidade da contratação justificarão a possibilidade de firmar o ajuste e pagar pelos serviços realizados, cabendo à Administração contratante notificar os órgãos credores da contratada.

Essa conclusão encontra amparo em resposta à consulta formulada pelo Tribunal de Contas da União por meio do Acórdão nº 1.402/2008 – Plenário:

9.2. orientar o consulente de que:

9.2.1. as empresas prestadoras de serviços públicos essenciais sob o regime de monopólio, ainda que inadimplentes junto ao INSS e ao FGTS, poderão ser contratadas pela Administração Pública, ou, se já prestados os serviços, poderão receber o respectivo pagamento, desde que com autorização prévia da autoridade máxima do órgão, acompanhada das devidas justificativas, conforme prolatado na Decisão nº 431/1997 e no Acórdão nº 1.105/2006, ambos do Plenário desta Corte;

(…)

9.2.3. caso venha a se deparar com as hipóteses retratadas nestes autos, deverá ser exigida da contratada a regularização da situação e, deverão ser informados os responsáveis pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS à respeito dos fatos; (Grifamos.) (TCU, Acórdão nº 1.402/2008, Plenário, j. em 23.07.2008.)

Sendo assim, em se tratando da prestação de serviços públicos em regime de monopólio, as contratações serão formalizadas por meio de contratos de adesão. A própria Lei nº 8.666/93, em seu art. 62, § 3º, inc. II, admite o afastamento do regime jurídico do contrato administrativo por ela instituído nessas ocasiões, remetendo à aplicação das regras que regem o serviço público contratado.

Isso não isenta a assessoria jurídica da Administração contratante avaliar a legalidade do processo administrativo com base no qual se formará o ajuste, exercendo, nesse caso, o controle de legalidade, especialmente em relação aos seguintes elementos: a) fundamentação da contratação na hipótese de contratação direta (podendo utilizar o art. 24, inc. XXII c/c art. 25,caput, da Lei nº 8.666/93 para a contratação voltada ao fornecimento/suprimento de energia elétrica ou gás natural); b) estimativa de consumo; c) justificativa quanto à adoção do prazo indeterminado (no caso, exclusividade do fornecedor); d) aferição da disponibilidade orçamentária; e e) análise dos requisitos de habilitação, etc.

1 A conceituação de contrato de adesão está no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que, em seu art. 54, caput, dispõe: “Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

2 É possível se valer da Orientação Normativa nº 36, da AGU: “A Administração pode estabelecer a vigência por prazo indeterminado nos contratos em que seja usuária de serviços públicos essenciais de energia elétrica e água e esgoto, desde que no processo da contratação estejam explicitados os motivos que justificam a adoção do prazo indeterminado e comprovadas, a cada exercício financeiro, a estimativa de consumo e a existência de previsão de recursos orçamentários”.

Nota: O material acima foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, na seção Perguntas e Respostas, e está disponível no Zênite Fácil, ferramenta que reúne todo o conteúdo produzido pela Zênite sobre contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essa e outras Soluções Zênite.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores