A licença para tratar de interesses particulares e a proibição constitucional de acumular cargos públicos

Regime de Pessoal

Destina-se o presente post a apresentar breve reflexão sobre a incidência da vedação prevista art. 37, VXI da CF, alusiva à acumulação cargos públicos, aos servidores em gozo de licença para tratar de interesses particulares prevista pelo art. 91 da Lei nº 8.112/90.

Inicialmente, cabe mencionar que o artigo 91 da Lei nº 8.112/90 trata da licença para tratar de interesses particulares nos seguintes termos: “Art. 91. A critério da Administração, poderão ser concedidas ao servidor ocupante de cargo efetivo, desde que não esteja em estágio probatório, licenças para o trato de assuntos particulares pelo prazo de até três anos consecutivos, sem remuneração.”

Do dispositivo transcrito, extraem-se as duas principais características desta licença, quais sejam: a) discricionariedade, incumbindo à autoridade avaliar se o afastamento do servidor de suas atribuições acarretará ou não prejuízo ao serviço e b) ausência de percepção de remuneração, coerente com o fato de que tal licença é concedida para atender interesse exclusivamente pessoal do servidor.

Justamente em razão da cessação da remuneração é que se suscita a possibilidade de o servidor vir a ser investido em novo cargo público durante sua fruição, eximindo-se de observar a vedação a acumulação remunerada de cargos públicos, prevista no art. 37, XVI e XVII.

Dos referidos dispositivos constitucionais, extrai-se a regra da impossibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos, empregos e funções na Administração Direta e Indireta “seja dentro de cada uma, seja entre os dois setores da Administração entre si.”[1] Questiona-se, então, se tal vedação seria aplicável aos servidores em gozo de licença sem ônus para tratar de assuntos particulares.

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No âmbito do TCU, vigora quanto ao tema o entendimento consolidado pela Súmula de nº 246 segundo a qual o gozo da licença prevista pelo art. 91 não descaracteriza a acumulação indevida de cargos. Nesse sentido, é o teor da aludida súmula, in verbis: “O fato de o servidor licenciar-se, sem vencimentos, do cargo público ou emprego que exerça em órgão ou entidade da administração direta ou indireta não o habilita a tomar posse em outro cargo ou emprego público, sem incidir no exercício cumulativo vedado pelo artigo 37 da Constituição Federal, pois que o instituto da acumulação de cargos se dirige à titularidade de cargos, empregos e funções públicas, e não apenas à percepção de vantagens pecuniárias.” (TCU, Súmula nº 246, DOU 05.04.2002.)

A premissa sobre a qual se assenta o entendimento adotado pelo TCU, conforme se dessume do próprio teor da Súmula, é que a previsão constitucional visa evitar o estabelecimento de mais de um vínculo laboral com a Administração e não apenas a percepção de mais de uma remuneração paga pelos cofres públicos.

Em âmbito jurisprudencial, por outro lado, observa-se tendência a considerar-se vedada pela Constituição apenas a percepção cumulativa de remunerações, sendo possível a acumulação de cargos públicos, ainda que fora das hipóteses admitidas pelo retrocitado art. 37, desde que não haja o pagamento de mais de uma remuneração ao servidor. Tal entendimento é o adotado em diversas decisões proferidas pelos Tribunais Federais, os quais vêm admitindo a posse e exercício em cargo público inacumulável durante o gozo da licença prevista pelo art. 91 supratranscrito.[2]

Ante a controvérsia ainda existente sobre o tema, cabe indagar qual bem jurídico deve, à luz do sistema constitucional vigente, ser tutelado pela norma que veda a acumulação. Sob o prisma do princípio da eficiência, é possível afirmar que a qualidade no serviço público, decorrente da prestação em caráter de exclusividade pelo servidor, é o bem jurídico que se busca, precipuamente, tutelar com a vedação à acumulação de cargos públicos. À vista deste interesse, não remanesce o impedimento nos casos em que não ocorra o exercício de mais de um cargo público simultaneamente, como se verifica na hipótese de posse em novo cargo público por servidor que se encontre em gozo de licença sem remuneração.

Tal argumento, agregado ao princípio de que as regras restritivas devem ser interpretadas restritivamente, autoriza concluir que a melhor interpretação ao tema é a que vem sendo dada pelos Tribunais Federais e que, de fato, o servidor em gozo da licença prevista pelo art. 91 da Lei nº 8.112/90 não estaria impedido de acumular a titularidade de cargos, a princípio, inacumuláveis, tampouco de perceber a remuneração daquele no qual esteja efetivamente prestando serviço.


[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 715.

[2] Nesse sentido: TRF-4, APELREEX 5019140-40.2011.404.7100, Quarta Turma, Relator p/Acórdão Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, D.E 30.01.2013.TRF 1ª Região, REOMS 200337000004050, Rel. Des. Federal Miguek Ângelo de Alvarenga Lopes, e-DJF1 24.08.2011; TRF 2ª Região, AMS 200651010234860, Rel. Des. Federal Leopoldo Muylaert, E-DJF2R 03.12.2010; TRF-5, AC 200485000001269, Rel. Des. Federal Cesar Carvalho, DJe 09.10.2009.


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