Art. 23, § 7º, da Lei de Licitações – Considerações acerca da implementação da hipótese de apresentação de propostas parciais pelos licitantes.

Licitação

O art. 23, § 7º, da Lei nº 8.666/93, estabelece que “Na compra de bens de natureza divisível, é permitida a cotação de quantidade inferior à demanda na licitação, com vistas a ampliação da competitividade, podendo o edital fixar quantitativo mínimo para preservar a economia de escala”.

O dispositivo em comento engendra a possibilidade de os licitantes cotarem propostas parciais, com quantitativos inferiores àqueles indicados pela Administração em seu edital, procedimento esse designado por Marçal Justen Filho de “fracionamento interno” da licitação (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. Dialética: São Paulo, 2010. p. 290).

Trata-se de alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.648/1998 no Estatuto das Licitações, visando à ampliação da competitividade dos certames a serem promovidos pela Administração, permitindo ao licitante participar da competição mesmo que não detenha condições de fornecer a totalidade dos bens inicialmente requisitados.

Ele permite, por exemplo, que determinado licitante, ao participar de licitação destinada à contratação de 100 (cem) cadeiras, cote em sua proposta o fornecimento de apenas 40 (quarenta) cadeiras à Administração.

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Sua incidência pressupõe que o objeto da contratação “seja divisível”, de modo que um eventual “conjunto ou complexo” não seja prejudicado. Além disso, requer previsão e regulamentação específica no ato convocatório, dada a obscuridade e complexidade em torno de sua implementação, as quais tem feito com que a Administração evite sua adoção.

Talvez a maior das dificuldades enfrentadas pela Administração resida no fato de que a cotação de propostas parciais pode afetar o conteúdo de outras propostas apresentadas no certame. Para ilustrar a questão, servimo-nos de exemplo elaborado por Marçal Justen Filho:
Suponha-se licitação para aquisição de cem toneladas de açúcar, (…). Imagine-se que um licitante cota as cem toneladas pelo preço unitário de 10. Outro licitante propõe vender quarenta toneladas pelo preço de 9. Se a decisão for de adquirir quarenta toneladas de um e sessenta de outro, surge uma questão fundamental. É que o licitante que propôs o fornecimento de cem toneladas não está obrigado a entregar apenas sessenta. Ou seja, a aceitação da proposta de fornecimento parcial produz efeitos sobre as demais ofertas, transformando-as em parciais também”. (Op. cit. p. 291).

Para solucionar o problema, o autor afirma que “(…) o edital tem de estabelecer que se admite oferta parcial e que aqueles que formularem oferta total poderão ser obrigados a realizar contratos de menor dimensão”. (Idem. p. 291).

A solução, tal como ela foi delineada pelo autor, pode, em nossa opinião, ser questionada. Isso porque o licitante não é obrigado a contratar com a Administração em outros termos que não aqueles indicados originalmente em sua proposta.

O art. 427 do Código Civil (o qual incide no campo das contratações públicas por conta do art. 54, da Lei nº 8.666/93) prevê que “ a proposta de contrato obriga o proponente…”. Entretanto, o art. 431 do mesmo Código estabelece que “A aceitação [da proposta] fora do prazo, com adições restrições ou modificações, importará nova proposta”.

De acordo com a inteligência do último dispositivo mencionado, a Administração, ao modificar a proposta inicialmente feita pelo particular (exigindo o fornecimento de 60 toneladas ao preço unitário de 10, e não de 100, conforme originalmente cotado), faz surgir nova proposta, a qual deve, em princípio, ser ratificada pelo licitante, sob pena de vício na formação do negócio jurídico (ausência de manifestação válida de vontade, em afronta ao princípio da liberdade contratual).

Dessa forma, parece-nos que a solução proposta por Marçal Justen Filho deve ser somada à aceitação do particular. Melhor dizendo, entendemos que a Administração pode prever em seu edital que, no caso de o vencedor do certame ser autor de proposta parcial, o segundo colocado poderá contratar com a Administração quantitativos inferiores àqueles cotados originalmente em sua proposta, pelo mesmo preço unitário, desde que ele concorde com a medida.

A questão, contudo, é obscura, e merece atenção e debate por parte dos agentes que trabalham com contratação pública.

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