É possível aplicar índice de reajuste negativo?

Contratos Administrativos

Um dos princípios que rege a celebração e o desenvolvimento das relações contratuais é o princípio da força vinculante dos contratos – pacta sunt servanda. Nas contratações da Administração Pública, o princípio do pacta sunt servanda encontra previsão no art. 55, inc. XI c/c art. 66, ambos da Lei de Licitações.

Sobre o princípio da força vinculante dos contratos, são válidas as lições de Silvio de Salvo Venosa:

Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. O acordo de vontades faz lei entre as partes. Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória e estaria estabelecido o caos. (VENOSA, 2003, p. 376.)

Assim, uma vez definido o critério de reajuste, em atenção ao disposto no art. 40, inc. XI c/c art. 55, inc. III, ambos da Lei nº 8.666/93, ele adquire força obrigatória. Isso significa que essa condição contratual deverá ser fielmente observada pelas partes, sob pena de constituir situação de inexecução contratual.

Você também pode gostar

Disso decorre que a cláusula de reajuste deverá ser aplicada nos termos contratualmente estabelecidos, não sendo determinante para tanto o fato de o percentual acumulado ser negativo. A questão, em último caso, será dar cumprimento ao contrato.

Reconhecendo a possibilidade de reduzir o preço contratado por meio da aplicação de índice negativo de reajuste (deflação), já se manifestou o Tribunal de Contas da União:

Nos dizeres de Marçal Justen Filho, quando se alude a equilíbrio econômico-financeiro não se trata de assegurar que a empresa se encontre em situação lucrativa. A garantia constitucional se reporta à relação original entre encargos e vantagens. O equilíbrio exigido envolve contraposição entre encargos e vantagens, tal como fixada por ocasião da contratação (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11ª edição, Ed. Dialética, 2005, p. 549).

O citado autor, na mesma obra, ao tecer comentários acerca da recomposição do equilíbrio, preleciona que havendo deflação ou redução de custos, aplicar-se-ão os mesmos princípios e postulados em favor da Administração. Deverá promover-se a redução dos preços para assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação. (p. 552).

De mais a mais, há de se levar em conta como agiria um particular ou uma empresa privada, ao se deparar com uma situação semelhante, qual seja, a constatação de que o preço que se comprometeu a pagar em decorrência da celebração de um determinado contrato, por circunstâncias alheias à sua vontade, tornaram-se, no transcurso do tempo, demasiadamente superiores aos praticados no mercado. Decerto, o particular ou a empresa ao menos envidaria esforços no sentido de proceder à revisão do contrato, com o fito de alcançar um preço considerado justo para ambas as partes, e, sendo infrutífera a negociação, quiçá, utilizar-se-ia da via judicial para obter tal desígnio, ou rescindir o contrato, como sói acontecer nas relações privadas.

Na situação vertente, que envolve a alocação de recursos públicos, a verificação da compatibilidade dos preços do contrato em questão, diante do novo cenário econômico, e a conseqüente persecução do interesse público direcionado à contenção e à redução das despesas, não consistiriam em mera faculdade, mas dever do administrador público. Isso decorre da necessidade de observância aos princípios basilares da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, bem como da economicidade dos atos de gestão, este último insculpido no art. 70, caput da Magna Carta.

Como bem ponderou o analista da Serur sobre a questão, o princípio da economicidade não está restrito apenas a uma simples seleção de propostas na licitação, mas deve respaldar a atuação dos administradores quando se tratam de recursos públicos. Nesse sentido, a lição da administrativista, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a seu turno, consagra a tese de que o controle da economicidade, assim como da legitimidade, envolve `questão de mérito, para verificar se o órgão procedeu, na aplicação da despesa pública, de modo mais econômico, atendendo por exemplo a uma adequada relação de custo-benefício.

No presente caso, restou verificado nos autos que os gestores públicos envolvidos não adotaram nenhuma providência no sentido de verificar a compatibilidade dos preços contratuais, por ocasião da celebração do termo aditivo de reajustamento, de modo a assegurar a justa remuneração do objeto pactuado, e a evitar a onerosidade excessiva para a Administração.

Assim, à vista da ausência do dever de diligência e zelo para com o desembolso dos recursos públicos, consumou-se a caracterização de suas condutas culposas, a ensejar a reparação do dano ocasionado aos cofres do extinto DNER. (TCU, Acórdão nº 606/2008, 2ª Câmara, Rel. Min. Benjamin Zymler, j. em 18.03.2008.)

Concluímos, então, que o critério de reajuste fixado no edital e no contrato deverá ser fielmente aplicado. Trata-se, em último caso, de dar cumprimento ao contrato. Sendo devida a aplicação de índice de reajuste negativo, promovendo-se, nesse caso, a redução do valor contratado.

Por fim, apesar de a regra ser o cumprimento da disciplina fixada no edital e no contrato, a Consultoria Zênite não deixa de cogitar a possibilidade de, diante de situação excepcional em que tenha sido eleito índice geral para reajustar o contrato, o qual de forma evidente se verifique não retratar a realidade observada para os preços do segmento econômico no qual se encaixa o ajuste, mediante justificativa, deixar de aplicar o índice negativo, mantendo-se inalterado o valor contratado. Porém, a regra deve ser a aplicação do índice negativo, e, somente em situações excepcionais, terá cabimento a manutenção do valor do contrato.

REFERÊNCIA

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

Nota: O material acima foi originalmente publicado na Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos, na seção Perguntas e Respostas, e está disponível no Zênite Fácil, ferramenta que reúne todo o conteúdo produzido pela Zênite sobre contratação pública. Acesse www.zenite.com.br e conheça essa e outras Soluções Zênite.

Continua depois da publicidade
Seja o primeiro a comentar
Utilize sua conta no Facebook ou Google para comentar Google

Assine nossa newsletter e junte-se aos nossos mais de 100 mil leitores

Clique aqui para assinar gratuitamente

Ao informar seus dados, você concorda com nossa política de privacidade

Você também pode gostar

Continua depois da publicidade

Colunas & Autores

Conheça todos os autores