Nova Lei de Licitações: o princípio do planejamento

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“Não
há bons ventos para quem não sabe para onde vai” (Sêneca). Para saber para onde
ir, é preciso planejar. Planejamento é o conjunto de providencias e de decisões
adotadas previamente à execução de uma determinada ação. Planejar uma
contratação implica uma pluralidade de providências preliminares, basicamente
destinadas a identificar a necessidade que deve ser satisfeita com a execução
do contrato, a solução ou objeto que seja o mais adequado para satisfazer esta
necessidade pública e estimar o preço a ser pago por esta execução, sempre com
vistas à melhor relação custo-benefício (“value for Money”).

Embora
tenhamos algumas normas infralegais tratando do planejamento das contratações
públicas, como a Instrução Normativa nº 05/07 da Secretaria de Gestão do Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, o trato substancial do planejamento
não estava previsto em uma Lei contendo normas gerais de licitações e
contratos. O Projeto de Lei (PL) nº 4.253/2020 aprovado no Senado Federal, que cria
um marco legal para substituir as Leis: 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 traz
uma disciplina específica sobre o planejamento das licitações e dos contratos
públicos, e com ela, um dever legal de bem planejar as contratações a partir do
princípio do planejamento.

A
nova lei passa a prever, no art. 5º, que o planejamento é um dos princípios que
devem ser observados na sua aplicação.

O
princípio do planejamento tem duplo conteúdo jurídico.

Por
primeiro, o de fixar o dever legal do planejamento. A partir deste princípio,
se pode deduzir que a Administração Pública deverá planejar toda a licitação e
toda a contratação pública. Mas não é só isso. Não é a realização de qualquer
planejamento que atenderá dito princípio. O planejamento que se exige é aquele
que seja eficaz e eficiente, e que se ajuste a todos os outros princípios,
regras e valores jurídicos previstos na Constituição Federal e na Lei.

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O
dever jurídico é de um planejamento adequado, suficiente, tecnicamente correto
e materialmente satisfatório.

Este
planejamento adequado pressupõe a adoção de todas as providências técnicas e
administrativas voltadas a identificar com precisão a necessidade a ser
satisfeita com a execução do contrato, a correta definição do objeto ou solução
técnica, e a precisa estimativa do preço de referência, bem como todas as
demais definições indispensáveis para configurar de modo eficaz e eficiente a
licitação e o contrato.

O
segundo conteúdo jurídico extraível do princípio do planejamento diz respeito
com a responsabilidade por omissão própria. A omissão se evidencia quando “o
agente não faz o que pode e deve fazer, que lhe é juridicamente ordenado”.[1] A ação determinada pela
Lei, nesta medida, é a de planejamento correto, suficiente e adequado da
licitação e da contratação. O descumprimento desta determinação legal, de bem
planejar, pode caracterizar conduta omissiva própria[2].

Assim,
não existindo justificativa para realizar o planejamento adequado da licitação
e do contrato, a falta ou insuficiência dele pode ensejar a responsabilidade

Nos
termos do disposto no art. 28 do Decreto-Lei nº 4.657/42, “o agente público
responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo
ou erro grosseiro”. 

O
Decreto nº 9.830/18 prevê que “considera-se
erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa
grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência,
imprudência ou imperícia”.

A omissão de planejamento, para ensejar
responsabilização pessoal do agente público será apenas aquela de maior
gravidade, que supere a simples falta de diligência, de pequena imprudência ou
de imperícia que não seja grave.

A conduta descuidada, equivocada, incorreta,
apressada, desidiosa, ineficiente, se não for dolosa, somente ensejará responsabilidade
pessoal se for grave de modo a caracterizar o erro grosseiro.

Erro grosseiro
no planejamento da contratação pública

A inexistência de estudos e avaliações
técnicas mínimas caracteriza erro grosseiro no que tange à necessidade pública
que se pretende resolver pela via do contrato.

Também caracteriza erro grosseiro a
inexistência de registros formais descrevendo (ainda que de modo sucinto) em
documentos técnicos com conteúdo técnico proporcional à complexidade da
situação fática, como requisições, termos de referência, estudos preliminares e
congêneres.

Esta etapa de definição da necessidade a ser
satisfeita pela via do contrato deve incluir, pena de caracterização de erro
grosseiro, o levantamento de todas as providências a cargo da Administração
Pública imprescindíveis para o início da execução contratual, como:
licenciamento ambiental prévio, adaptação dos prédios ou da estrutura física da
organização pública (rede lógica, elétrica, hidráulica, etc.), licença ou
autorização da vigilância sanitária ou do Corpo de Bombeiros, quando for o
caso, dentre outras. A falta ou insuficiência de estudos preliminares,
análises, medições, avaliações técnicas ou jurídicas envolvendo a necessidade a
ser suprida pela via do contrato pode ensejar erro grosseiro – a depender da
gravidade da conduta – e a responsabilização pessoal do agente público a quem
foram designadas tais atribuições.

Noutro prisma, o objeto da contratação
adequado será aquele que tem potencialidade de satisfação plena da necessidade
identificada e que demanda a contratação de particulares para ser satisfeita. A
contratação de um objeto que não tem, no mínimo, a potencialidade de satisfazer
tal necessidade caracteriza um erro grosseiro.

Terá potencialidade para tal desiderato o
objeto descrito na conformidade do mercado em que está inserido. Conhecer o
mercado em que se insere o objeto da contratação é um dos deveres elementares e
fundamentais dos agentes públicos quando da definição da solução técnica que
será licitada. Caracteriza erro grosseiro licitar um objeto sem conhecimento
mínimo do mercado concorrencial (de suas particularidades essenciais) em que se
insere ele. A licitação de um objeto fora dos padrões de mercado pode levar a
licitações desertas ou fracassadas, ou a execuções contratuais insatisfatórias
e mesmo desastrosas.

Estes alguns dos desdobramentos jurídicos do princípio
do planejamento previsto na nova lei de licitações.

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[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal. Parte Geral 1. 16ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 279.

[2] Há, portanto, a omissão de um dever de
agir imposto normativamente, quando possível cumpri-lo, sem risco pessoal.
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Ob. Cit. p. 280.

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