Novidades a caminho: adesão do Brasil ao Acordo de Compras Governamentais – GPA

LicitaçãoMicroempresas e empresas de pequeno porte

Em maio de 2020 o Brasil formalizou sua
intenção de aderir ao Acordo de Compras Governamentais da Organização Mundial
do Comércio (OMC). A efetiva adesão ao acordo pode implicar significativas
modificações nos processos de contratações públicas no Brasil.

Entabulado para reduzir as barreiras e limites
à participação de empresas estrangeiras nos processos de contratações de cada
País partícipe, o acordo objetiva a uniformização multilateral das regras e
condições para as disputas licitatórias, com a finalidade de assegurar abertura
e expansão do comércio internacional.

Sabe-se que as contratações públicas movimentam
em torno de 10% a 15% do produto interno bruto de cada país todos os anos.  Trata-se de um segmento de mercado
extremamente atrativo e potencialmente vantajoso para as empresas privadas. O
GPA implica ampliação deste mercado concorrencial. O que se deve indagar, é se
esta ampliação de mercado concorrencial se dará de modo reciprocamente
proporcional.

De qualquer sorte, a adesão ao acordo, em
síntese, terá como consequência ampliar de modo substancial a quantidade de
licitações internacionais, garantindo a participação de empresas estrangeiras
em grande parte dos processos licitatórios, salvo exceções que o próprio país
pode estabelecer em sua proposta de adesão.

A participação de empresas estrangeiras em
processos licitatórios promovidos no Brasil pode ocorrer hoje em 2 situações.
Primeiramente, quando a sociedade ou empresa estrangeira estiver em regular
funcionamento no país, devidamente autorizada por decreto do Chefe do Poder
Executivo Federal (art. 28, V da Lei 8.666/1993). A segunda hipótese se dá nos
casos de licitação internacional, aberta para a participação de empresas
estrangerias, ainda que não detenham a autorização para funcionamento no país
(art. 42 da Lei 8.666/1993).

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Com a adesão ao GPA o Brasil se obriga a
ampliar a realização de licitações internacionais, permitindo a participação
nos processos de contratação pública de empresas que não estão ainda
autorizadas a exercer atividades no País. O caráter multilateral do acordo
implica, de outro ângulo, a ampliação da participação de empresas brasileiras
nos processos licitatórios promovidos por outras partes.

O Acordo sobre Contratos Públicos, ou Acordo de
Compras Governamentais – GPA já conta com a adesão de inúmeros países e está em
pleno funcionamento desde 1994.

Para a adesão, a parte interessada elabora proposta
na qual indica quais as entidades da Administração Pública serão abrangidas
pelo Acordo; os bens, serviços e obras que serão objeto do pacto, e, também, os
objetos contratuais que não serão objeto dele. Por exemplo, uma parte pode
indicar os valores das contratações abaixo dos quais não tem aplicação o GPA,
dentre outros critérios que podem ser estabelecidos para “não aplicação” das
regras do acordo.

Para nortear as propostas de adesão ao GPA, há
um princípio geral norteador (art. IV), que estabelece que

No que diz respeito às medidas relativas aos contratos abrangidos, cada Parte, incluindo as suas entidades adjudicantes, deve conceder imediata e incondicionalmente aos bens e serviços de qualquer outra Parte e aos fornecedores de qualquer outra Parte que propõem os bens ou serviços de qualquer Parte, um tratamento não menos favorável do que o que essa Parte, incluindo as suas entidades adjudicantes, concede:

a) Aos bens, serviços e fornecedores nacionais; e

b) Aos bens, serviços e fornecedores de qualquer outra Parte.

2. No que diz respeito a qualquer medida relativa aos contratos abrangidos, as Partes, incluindo as suas entidades adjudicantes, não devem:

a) Tratar um fornecedor estabelecido no seu território de maneira menos favorável do que trata os outros fornecedores estabelecidos no seu território com base no grau de controlo ou de participação estrangeiros; ou

b) Exercer qualquer discriminação contra fornecedores estabelecidos no seu território com base no facto de os bens ou serviços oferecidos por esses fornecedores no âmbito de um determinado contrato serem bens ou serviços provenientes de outra Parte.

Outro aspecto relevante para a formulação das
propostas de adesão diz respeito ao tratamento que as partes devem conferir aos
países em desenvolvimento (art. V):

1. Nas negociações para a eventual adesão e na aplicação e gestão do presente Acordo, as Partes devem tomar particularmente em conta a evolução, as necessidades financeiras e comerciais e as circunstâncias dos países em desenvolvimento e dos países menos desenvolvidos (a seguir coletivamente designados “países em desenvolvimento”, salvo especificação em contrário), reconhecendo que as mesmas poderão variar de país para país. Tal como previsto no presente Artigo e mediante pedido nesse sentido, as Partes conferem um tratamento especial e diferenciado:

a) Aos países menos desenvolvidos; e

b) A qualquer outro país em desenvolvimento, quando e na medida em que esse tratamento especial e diferenciado contribua para suprir as respetivas necessidades de desenvolvimento.

2. Quando um país em desenvolvimento adere ao presente Acordo, cada uma das Partes confere imediatamente aos bens, serviços e fornecedores desse país a cobertura mais favorável que essa Parte confere, nos termos dos anexos ao Apêndice I que lhe dizem respeito, a qualquer outra Parte no presente Acordo, sob reserva de quaisquer condições negociadas entre a Parte e esse país em desenvolvimento com vista a assegurar um equilíbrio de oportunidades apropriado ao abrigo do presente Acordo.

Sob a perspectiva da proteção aos interesses
nacionais, o GPA prevê ainda que (art. III):

1. Nenhuma disposição do presente Acordo deve ser interpretada no sentido de impedir uma Parte de tomar medidas ou de não divulgar informações quando considere que tal é necessário para a proteção dos seus interesses essenciais em matéria de segurança no que diz respeito a contratos de armamento, munições ou material de guerra ou relativamente a contratos indispensáveis para a segurança nacional ou para efeitos de defesa nacional.

2. Sob reserva de que tais medidas não sejam aplicadas de modo que constitua um meio de discriminação arbitrária ou injustificável entre as Partes onde prevalecem condições similares, ou uma restrição dissimulada ao comércio internacional, nenhuma disposição do presente Acordo pode ser interpretada no sentido de impedir uma Parte de adotar ou aplicar medidas que sejam:

a) Necessárias para proteger a moral, a ordem ou a segurança pública;

b) Necessárias para proteger a saúde ou a vida humana, animal e vegetal;

c) Necessárias para proteger a propriedade intelectual; ou

d) Relacionadas com bens ou serviços de pessoas com deficiência, de instituições de beneficência ou de trabalho penitenciário.

Perceba-se que o impacto da adesão do Brasil ao
GPA pode ser, de fato, muito significativo e importante, seja para melhorar a qualidade
das contratações públicas (por força da ampliação da concorrência), seja para
ampliar o mercado concorrencial e as potencialidades de negócios para as
empresas nacionais.

Apesar das aparentes vantagens da adesão ao
GPA, algumas considerações de ordem jurídico-constitucional são relevantes. A Constituição
Federal determina o cumprimento incondicional de certos valores jurídicos que
não podem ser afastados quando de adesão a um acordo ou tratado internacional
da natureza do GPA (por força inclusive do princípio da soberania nacional
previsto no art. 170, I da Constituição Federal).

Um dos valores jurídicos a ser considerado é o
princípio do desenvolvimento sustentável. As condições de adesão pelo Brasil
devem ser orientadas ao fortalecimento das empresas nacionais, ou, sob outro
ângulo, não podem representar risco à sustentabilidade econômica das empresas
brasileiras – geradoras de riqueza e emprego no país. Especialmente porque a
participação de empresas brasileiras em processos de contratação de outros
países não se dará, por evidente, em larga escala – tendo em conta que
aproximadamente 90% das empresas brasileiras são pequenas empresas (ME e EPP).
Em outros termos, em relação ao número de pequenas empresas existentes no país,
a participação de empresas nacionais em licitações promovidas por outros
países, quer parecer, tende a ser pequena.

Em sentido reverso, há potencialidade de muitas
empresas estrangeiras passarem a disputar os contratos brasileiros.

Neste sentido, tem-se ainda que a adesão do
Brasil deve se dar no sentido de excluir qualquer risco às pequenas empresas
(ME e EPP) brasileiras. A Constituição Federal determina o princípio do
tratamento diferenciado para as pequenas empresas (art. 170, IX e art. 179). Devem,
portanto, coexistir os regimes jurídicos determinados pelo GPA e aquele
determinado pela Constituição para o fomento das ME e EPP.

Há outros segmentos contratuais que não podem
ser inseridos de modo absoluto no GPA. Alguns exemplos, dentre outras hipóteses,
que não devem ser incluídas na proposta de adesão brasileira:

1. os serviços de saúde e de educação quando prestados pelo Estado são serviços públicos, submetidos a regime jurídico especial, e são livres para a iniciativa privada, contudo, apenas para aquelas empresas em funcionamento regular no país – a proposta de adesão ao GPA de alguns países contempla contratações de serviços de saúde e de educação – algo inviável pelo Brasil;

2. os serviços postais são serviços públicos prestados sob regime de privilégio pelos Correios (monopólio instituído pela Lei 6.538/1978) – logo, não podem ser incluídos na proposição;

3. as contratações envolvendo sangue ou hemoderivados e serviços de fracionamento de plasma não podem fazer parte da proposta brasileira, uma vez que as atividades econômicas envolvendo sangue humano e seus derivados são atribuídas pela Constituição e pela Lei à HEMOBRÁS (art. 196, § 4º, Lei  10.972/2004 e Lei 10.025/2001);

3. as contratações de serviços de pesquisa e planejamento, serviços de publicidade oficial, de serviços destinados a proteger tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico; serviços na área de saúde e bem-estar dos povos indígenas; a aquisição de bens e serviços fora do território da parte compradora para consumo fora do território da parte contratante;

4.
contratações que envolvam questões relacionadas à segurança nacional e
interesse das forças armadas.

Como se percebe, a adesão do Brasil ao GPA pode ser bastante benéfica para alguns segmentos da economia, contudo, deve ser fruto de avaliação técnica, econômica e jurídica substanciais, de modo a evitar que o acordo produza efeitos lesivos a valores jurídico-constitucionais inafastáveis.

Acompanhe também novidades sobre contratações públicas no instagram @joseanacleto.abduch.

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