Quem vai pagar essa conta? O impasse acerca das taxas de administração de vales-refeição e alimentação.

Licitação

Em dezembro de 2017 foi publicada a Portaria nº 1.287/2017, do Ministério do Trabalho, que vedou a utilização de taxa negativa em contratos de administração de fornecimento de vales-refeição/alimentação. Esse ato gerou uma série de dúvidas, inclusive se deveria ou não ser aplicada aos contratos celebrados antes de sua publicação. A respeito disso, o Ministério do Trabalho publicou, em fevereiro de 2018, Nota Técnica nº 45/2018, que esclareceu que a Portaria não fez qualquer ressalva à sua aplicabilidade, do que se conclui que se aplica a todos os acordos, futuros e vigentes, independentemente da data de celebração.

O texto da Portaria, sem a interpretação que lhe foi dada pela Nota Técnica, por si só gera um impacto em contratos públicos futuros, haja vista que o poder de negociação dos acordos foi reduzido já que o “menor preço” buscado pela Administração Pública e por entidades que licitam, foi limitado. Nenhuma proposta poderá ofertar taxa melhor que 0%. Com isso, a possibilidade de obtenção de vantagem econômica fica limitada e a disputa deixa de ser em razão do melhor preço. A disputa gira em torno da tentativa de inabilitação entre concorrentes e a escolha do vencedor do certame se dará, na maior parte das vezes, em razão das preferências legais, quando não recair na sorte (sorteio).

Mas prejuízo maior há ainda para os contratos em andamento, celebrados anteriormente à edição da Portaria, pois o impacto orçamentário é imensurável. Não por outro motivo, após a edição da Portaria e da Nota Técnica houve uma série de medidas judiciais as questionando bem como representação junto ao TCU.

Vários Mandados de Segurança foram impetrados no STJ, todavia a tendência é que sejam extintos sem análise de mérito, como já houve com alguns, sob o argumento do não cabimento desse tipo de ação contra “lei em tese”. Todavia, cumpre dizer que em alguns casos onde houve deferimento de liminar (mesmo que após a segurança tenha sido denegada) o STJ sinalizou o entendimento de que no mérito a Portaria afronta a ordem econômica e de que carece o Ministério do Trabalho de competência para invadir essa seara.

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No âmbito do TCU há posição consolidada sobre a possibilidade de se praticar taxa negativa nos contratos administrativos, desde a década de 90 (Decisão 38/1996 – Plenário). Mais recentemente reforçam essa tese os Acórdãos nºs 1556/2014, 2.004/2018 e 1.488/2018, todos do Plenário, e o Acórdão nº 6515/2018 – 2ª Câmara, publicados após a Portaria nº 1.287/2017. Especificamente em relação à própria Portaria 1.287/2017, o TCU publicou o Acórdão nº 1.623/2018 – TCU – Plenário, no DOU de 30/07/2018, através do qual determinou ao Ministério do Trabalho, em caráter liminar, a suspensão da aplicabilidade da Portaria, alegando que ela interfere na ordem econômica, restringindo a competividade do setor de vales alimentação e mitiga a aplicação de legislação de contratações públicas, que busca a economicidade e o melhor preço.

Segundo consta das manifestações do Ministério do Trabalho exaradas nos processos retro citados, a justificativa para a vedação de aplicação de taxa negativa seria o fato de que a sua aplicabilidade aos contratantes dos cartões de vales-alimentação/refeição onera as outras partes da relação tripartite, quais sejam, o mercado (bares, restaurantes, supermercados, etc.) e o consumidor. O mercado paga taxas mais altas, para compensar o desconto ofertado às contratantes e, por conseguinte, essas taxas são repassadas ao preço final da mercadoria posta à disposição do consumidor. Considerando essa lógica, a edição da Portaria, segundo o Ministério, visa equilibrar essa relação e desonerar o consumidor, embora o próprio órgão tenha reconhecido que não há como garantir que a supressão das taxas de serviço negativas redundará em efetiva e proporcional redução nos preços dos produtos disponibilizados aos trabalhadores.

Assim, o Ministério do Trabalho editou uma Portaria que, admitidamente, gera ônus certo aos contratantes das administradoras dos cartões de vale-alimentação e refeição, inclusive a Administração Pública, com bônus incertos aos supostos beneficiários da medida, quais sejam, os consumidores/trabalhadores.

O cenário apresenta, em verdade, uma colisão de valores da seara da Economia. A discussão central não é em torno dos contratos administrativos e/ou celebrados por paraestatais, mas sim sobre Economia e Mercado. Entretanto, as consequências da tomada da decisão pela edição da Portaria refletiram vultuosamente nos contratos administrativos e nos contratos de entidades paraestatais.

Não bastasse, ainda existe uma discussão de ordem formal, sobre a legitimidade do Ministério do Trabalho para tratar do assunto e sobre a via utilizada – Portaria – e mesmo que a legitimidade do Ministério do Trabalho e a via utilizada para tratar do assunto venham a ser reconhecidos, ao que tudo indica, foram inobservados procedimentos formais para sua edição, como a ausência de debates perante a Comissão Tripartite Paritária e pelo respectivo Grupo Técnico (cautelas previstas nas Portarias nºs 1.127/2003 e 6/2005, que tratam do Programa de Alimentação do Trabalhador).

Logo, a Portaria nº 1.287/2017 pode ser discutida e questionada sob várias óticas e, particularmente, vejo vício sob todas elas.

Porém, enquanto todo esse cenário vai se desenhando, mesmo diante da decisão do TCU, exarada no Acórdão nº 1.683/2018 – Plenário, a Portaria se mantem vigente, publicada no site do órgão, sem qualquer menção de que sua aplicabilidade está suspensa, nem ao menos aos contratos vigentes. A grande maioria dos contratos administrativos foi revisada, taxas negativas deixaram de ser aplicadas e o orçamento das instituições vem absorvendo o impacto de uma nova despesa imposta por via de Portaria e Nota Técnica. Novas licitações vêm sendo instauradas vedando a taxa negativa para cumprir a Portaria, as mesmas licitações que serão alvo de questionamento e apontamento posterior em sede de análise pelo Tribunal de Contas da União – TCU, exatamente por terem vedado a aplicação de taxa negativa, ao menos para os órgãos e entidades que a ele se submetem.

E assim vai o dinheiro público dançando conforme a música tocada pelos exímios maestros presentes em todas as esferas de Poder que insistem em não entrar no mesmo tom da melodia. E assim segue o animado baile da contratação pública. Só que não. A nós resta a dúvida (com resposta na ponta da língua): afinal, quem vai pagar essa conta?

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