Utopia, sonho ou mera ideologia solitária: temos urgentemente que reconhecer a necessidade de criar setores específicos de contratação pública. Prefiro acreditar que se trata de uma realidade breve e possível.

Contratação diretaContratos AdministrativosLicitaçãoPlanejamento

Já dissemos que a contratação pública é uma realidade presente em tudo na Administração Pública e daí a necessidade de conhecê-la e entendê-la. Como uma realidade constante e pulverizada em tudo e em todos os setores, acaba que o sucesso do processo de contratação depende da atuação de muitos agentes, que dele participam ainda que imperceptivelmente. Nesse sentido, já se perguntaram quantos atos são praticados no decorrer de todo um processo de contratação? Quantas decisões são tomadas?

De acordo com Renato Geraldo Mendes quase uma centena de decisões são tomadas no processo de contratação:

“Quem atua na área da licitação deve ter a clareza de que a sua atividade principal é tomar decisões.

No decorrer de uma contratação, são adotadas quase uma centena de decisões e, como se trata de um processo, cada decisão ou ato praticado tem significativa importância. O que torna o processo dinâmico é a tomada de decisão. A marcha processual só ocorre se decisões forem adotadas.” (MENDES, Renato Geraldo. O processo de contratação pública – Fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012. p. 79.)

E é sábia a conclusão do autor. Ora, pensemos que o processo de contratação pública tem três grandes fases: planejamento (fase interna), fase externa (licitação, dispensa ou inexigibilidade) e contrato.

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Só na fase de planejamento, podemos elencar 14 grandes etapas: I) Definição da necessidade (problema) e indicação da possível solução; II) Definição da solução, do objeto e das demais obrigações que integram o encargo; III) Definição do valor a ser pago pelo encargo; IV) Definições orçamentária e financeira; V) Aprovação da autoridade competente; VI) Definição do procedimento a ser adotado na fase externa e da modalidade de licitação, se for o caso; VII) Definição do regime de execução; VIII) Definição do tipo e dos critérios de julgamento da licitação; IX) Definição das condições pessoais de participação; X) Definição das condições de apresentação das propostas; XI) Definição das condições específicas de execução do contrato; XII) Elaboração do edital e de anexos; XIII) Elaboração e aprovação do edital pela assessoria jurídica; XIV) Envio do aviso do edital para publicação. (Cf. (MENDES, Renato Geraldo. O processo de contratação pública – Fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012. p. 91.).

Quantos atos e decisões são praticados em cada uma dessas etapas? Quantos agentes envolvidos? Quanto conhecimento e informação são necessários para atuar regularmente? E estamos falando apenas da fase do planejamento…

E, nesse sentido, ainda batendo um pouco na questão da estrutura administrativa, dada a importância do processo de contratação, a necessidade de conhecimento específico, informação adequada, qualificação dos agentes, penso que o ideal seria que a Administração pudesse ter um setor ou mesmo um órgão especializado em contratação pública.

Como um processo, na contratação pública o sucesso de uma etapa depende precipuamente da regular condução da etapa anterior. Vale dizer, uma decisão inadequada tomada em uma etapa poderá viciar todas as etapas subsequentes. Daí a necessidade de se ter uma equipe que atua conjuntamente, que partilhe das mesmas informações, que tenha o mesmo conhecimento e a mesma dimensão da responsabilidade e da importância da atividade que exerce. Ao mesmo tempo, uma equipe com várias habilidades, multitarefa, com agentes preparados para atuar em cada etapa.

A contratação pública exige uma equipe especializada, treinada e preparada para atuar em todo o processo, ciente dos riscos, das responsabilidades e do dever de atuar adequadamente. E, uma equipe que atua no mesmo compasso deve fazer parte de um mesmo setor ou órgão, com diretrizes e procedimentos próprios, com especialização e domínio do tema.

Daí a ideologia aqui lançada de que é preciso atentar para a necessidade de se criar essa área. Uma área que domine todas as etapas e atos da fase de planejamento, que saiba conduzir adequadamente uma licitação, instruir um processo de dispensa ou embasar corretamente uma inexigibilidade, que esteja por dentro de todas as fases para que possa gerir adequadamente a execução do contrato.

Uma estrutura administrativa específica de contratação pública certamente reduziria também os prejuízos advindos da rotatividade de pessoal, de que já falamos na segunda postagem dessa série. A grande rotatividade de agentes que atuam na contratação somada a falta de treinamento e capacitação específicos deixam a área vulnerável, pois ou não há a capacitação, ou quando há, o conhecimento não é retido, pois os agentes mudam de função. Logo, se continuarmos a conceber a função de atuação dentro da contratação pública como uma função transitória ou apenas “mais uma” atribuição de um cargo que é mais amplo, não ganharemos em eficiência e qualidade nessa área.

Outro ponto positivo de se ter um setor estruturado e especializado é que os agentes podem atuar com pleno domínio e conhecimento de todo o processo e mais do que isso do próprio mercado. Devemos admitir que a contratação pública só existe porque a Administração precisa buscar no mercado soluções para problemas que, sozinha, não consegue resolver. Vale dizer, a contratação pública é o processo pelo qual a Administração recorrer a um terceiro para prestação de serviços e aquisição de bens que não encontra dentro de sua própria estrutura.  Logo, o mercado é parte essencial nessa relação, pois ele é o provedor da solução para as necessidades da Administração.

E é de suma importância que se conheça o mercado porque desse conhecimento depende a tomada de uma série de decisões já na fase interna (planejamento) da contratação, como a descrição da melhor solução para atender a necessidade, a fixação do preço, a adoção da licitação ou inexigibilidade, e várias outras decisões, que seguem pela fase externa e pela contratual, que dependem do domínio do mercado.

Esse conhecimento de mercado só é obtido por uma equipe que atua focada e especializada no processo de contratação. Caso contrário, um ou outro agente pode até conhecer o mercado, porém, seu conhecimento isolado não é suficiente para tornar as contratações públicas eficientes e qualificadas.

Mais uma vez deve se reconhecer que é preciso que a informação e o conhecimento sejam somados e retidos dentro de uma estrutura, de um setor, um órgão, enfim, uma equipe profissionalizada em contratação pública.

Fica aqui a ideia, a dica ou o sonho.

Pra terminar é importante já suscitar o tema que abordaremos no próximo post, que é talvez, mais um item que justifica a necessidade de o agente público ter informação adequada para atuar: o dever de agir com legalidade! O agente público tem um dever que é a máxima da sua atuação que o de cumpri a lei. Não se concebe atuação administrativa que fora da legalidade e quando isso ocorre vem a responsabilização.

Nas próximas abordagens trabalharemos um pouco sobre esse dever, no que afinal ele se constitui e as dificuldades em torno dele.

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